quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Viva Raposo!

Rodrigo C. Vargas

Último stalinista cearense, o poeta e livreiro Manoel Coelho Raposo me recebeu em seu escritório – abarrotado de memórias - no começo de março deste ano ao som de Sumaré, canção composta por ele em parceria com Bernardo Neto (disco parte integrante do ultimo exemplar da revista O Saco de 1987). Raposo andava devagar, limitado por um enfisema pulmonar que o fez abandonar a volta da revista de cultura cearense mais importante dos anos 1970. Ainda assim, mostrava vigor na fala e no olhar.

Procurei Raposo porque queria entrevistá-lo sobre O Saco. Chegando lá a primeira coisa que me pediu foi para falar, antes de mais nada, sobre um último trabalho em que depositava toda a força: o modo de produção. Uma análise do sistema capitalista em que antecipava a crise econômica mundial do ano passado.

Depois de uns 20 minutos costurados por sabores ideológicos e desgostos humanos, Raposo começou a falar d´O Saco. Essa foi à última entrevista dada a um jornalista. Quanto mais ele falava do que foi a revista, mais me impressionava a força de suas idéias. Seguia realmente o que pensava.

Quando terminou a entrevista Raposo se levantou e pegou numa prateleira entupida de livros, encadernações, folhas soltas e empilhadas, um livreto e me entregou. Duas cartas, dois beijos para Emmanoelle é o título de uma das últimas publicações do poeta. Correspondências trocadas com a filha, com quem perdeu contato ainda criança. Uma espécie de O mundo de Sofia em que apresentava suas idéias sobre coisas comuns do dia-a-dia, mas que nunca puderam ser ditas. O natal, aparências, Marx, essências, Castro Alves...

O silêncio sobre a morte de Manoel Coelho Raposo é o mesmo de 11 de abril de 1977, quando tentava praticamente sozinho manter a publicação d´O Saco. Uma reunião foi marcada com membros do Estado, iniciativa privada, intelectuais e universitários que receberiam uma publicação intitulada Vamos deixar “O Saco” morrer? contando a história da revista e o porque deveria continuar sendo distribuída. Quase ninguém foi.

Aprendi muito com aquele breve encontro. Devo esse artigo à Raposo, um desabafo que não é meu.

Um comentário:

Carlos Alberto disse...

Tentei escrever umas linhas sobre a morte de Raposo, mas não consegui muito. Acabei criando um link de meu blog para cá. Bem melhor ler teu texto.