quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Roland Barthes, afinando a arte & refinando o discurso




Gilfrancisco Santos
gilfrancisco.santos@gmail.com
Jornalista

“Eis um estado muito sutil, quase insustentável, do discurso: a narratividade é desconstruída e a história permanece no entanto legível: nunca as duas margens da fenda foram mais nítidas e mais tênues, nunca o prazer foi melhor oferecido ao leitor – pelo menos se ele gosta das rupturas vigiadas, dos conformismos falsificados e das destruições indiretas. Ademais o êxito pode ser aqui reportado a um autor, junta-se-lhe o prazer do desempenho: a proeza é manter a mimesis da linguagem (a linguagem imitando-se a si própria), fonte de grandes prazeres, de uma maneira tão radicalmente ambígua (ambígua até a raiz) que o texto não tombe jamais sob a boa consciência (e a má fé) da paródia (do riso castrador, do “cômico que faz rir”).” Roland Barthes (O Prazer do Texto)

Grande intelectual progressista e mestre da linguagem, incomparável estimulador da mentalidade literária pelo modo como as pessoas tornam seu mundo intangível, é o autor de trabalhos marcadamente originais. Roland Barthes (1915-1980) é um desmistificador de imaginários, e sua ironia confirma esse poder quer seja como escritor, teórico ou professor, mas anda um pouco esquecido por seus admiradores. Apesar de sua obra ter sido traduzida para o português, Barthes ainda continua desconhecido entre nós, até mesmo por alguns professores universitários do Curso de Letras. A crítica nova defende a arte moderna como uma forma nova de ver o mundo, como a descoberta de que ao artista não interessa mais “imitar a natureza aristotelicamente”, propondo o entendimento do literário como ruptura e re-organização do texto. Ou seja a crítica nova, nada mais é do que a abertura da reflexão literária às grandes correntes do pensamento moderno (freudismo, marxismo, estruturalismo e existencialismo), tanto em sua fecundidade como em suas contradições. A explosão da crítica literária e a natureza da arte moderna são relativas, a ela exige uma crítica nova relativa, que faça explodir a antiga.

Em Roland Barthes, encontramos a elaboração de um modelo científico novo, uma abertura para uma outra estrutura, para um sistema diferente de criação que engloba o precedente, abrindo à crítica uma linguagem que será comum com os criadores, uma construção do modelo, dos modelos. O que mudou efetivamente com Barthes, é a confissão da inversão da criação, é a crítica nova começando pela leitura nova, como um novo meio, uma nova perspectiva de interpretação da literatura, que resultou numa revisão de diversos conceitos literários, como o divórcio entre crítica histórica e literária. Barthes sabia que toda literatura é simbólica e sem esforço de construção metodológica foi infatigável. Por isso recusava-se “ao conceito vulgar de realismo; restaurando o sentido originário da mimesis aristotélica, que confia à arte não a tarefa de reproduzir a natureza, de copiar fotograficamente, porém aquela outra mais digna, artística, de fazer a natureza aflorar em toda a sua plenitude de conferir ao real à sua do qual à sua dimensão catártica.”. Para ele, o objeto da crítica era muito diferente; não era o “mundo”, era um discurso, o discurso de um outro: a crítica é discurso sobre um discurso, é uma linguagem segunda, ou metalinguagem (como diriam os lógicos) que se exerce sobre uma linguagem primeira (ou linguagem-objeto). Daí resulta que a atividade crítica deve contar com dois tipos de relações: a relação da linguagem crítica com a linguagem do autor observado e a relação desta linguagem-objeto com o mundo.

Para Barthes, o trabalho do crítico não é de descobrir o significado secreto de uma obra – uma verdade do passado, mas constituir o inteligível do nosso tempo, o que equivale a desenvolver estruturas conceituais para lidar com fenômenos do passado e do presente. No que toca ao significado do engajamento político e histórico da linguagem literária, para ele não é simplesmente uma questão de conceito político ou de compromisso político da obra no ordenamento literário do mundo próprio de uma cultura. Por isso a crítica interpretativa deixa claras suas posições filosóficas ou ideológicas, enquanto que a crítica acadêmica afirma ser objetiva, alegando não ter ideologia. Pois seus argumentos teóricos, ela julga conhecer a natureza essencial da literatura aceitando ou rejeitando tudo que lhe foi oferecido para crítica ideologicamente comprometida. Finalizando, visto que a função do crítico não é descobrir e explicar o sentido de uma obra literária, mas descrever o funcionamento do sistema produtor de significação, não o que a obra significa, mas como a obra chega a significar. Tudo isso porque a produtividade do texto literário é a sua capacidade de produzir sentidos múltiplos e renováveis, que mudam de leitura a leitura. Tanto suas posições críticas quanto de seu estilo, cheio de imagens inesperadas, de termos técnicos e científicos criados por ele, misturavam dois gêneros que sempre tinham sido distintos: a crítica literária e a criação literária.

Tendo surgido como um crítico marxista, mas recusando-se o determinismo histórico e social, desde cedo atraiu as suspeitas da direita e da esquerda. A abertura de Barthes a contemporaneidade, caracteriza por reunir em sua crítica as bases já mencionadas, assumindo todas essas posições alternadamente ou ao mesmo tempo, permitindo-lhe uma constante reformulação de texto crítico, na busca de sua própria linguagem. Por tudo isso em nome de um purismo ideológico e indesejável o acusou de charlatanice, de inconstância, de infidelidade ou ainda de seguir a moda. O nome de Roland Barthes, continua no centro do debate contemporâneo das idéias, foi durante toda sua vida uma figura polêmica, desde a publicação do seu primeiro artigo em 1947, até seu último livro. Até 1965 Barthes era uma figura ativa embora marginal do cenário intelectual francês, somente no final dessa década é que ele estava firmando com uma eminência, ao lado de Claude Levi-Strauss, Michel Foucault e Jacques Lacan. Tornou-se fenômeno por razões contraditórias, graças a análises incisivas e irreverentes que fazia sobre a cultura francesa. Barthes trabalhou para criar um clima intelectual sintonizado com a transgressão, uma aventura com a linguagem, fornecendo inteligibilidade de forma crescente através dos textos, criando possibilidades de prazer, de entendimento e de renovação. Como criador Barthes reintroduz o tradicional com transgressão vanguardista, seus livros são traduzidos e amplamente lidos, escreveu inúmeros prefácios e introduções de textos modernos, de caráter experimental e clássico.

Apesar de ser considerado como o verdadeiro mestre da nova crítica francesa, Roland Barthes não foi de todo assimilado, continuou sendo alvo de ataques vindos dos mais variados pontos: os marxistas acusam de ser um aristocrata, um individualista, um alienado, enquanto que os estruturalistas e semiólogos cobram dele a ausência de rigor científico. Apóstolo da crítica aberta, convergente e múltipla, capaz de esclarecer as suas relações vivas, sua obra é um instrumento imprescindível de trabalho, tanto para os que se dedicam à Teoria da Literatura, quanto para os que estudam as comunicações e as ciências humanas em geral. A obra barthesiana não é uma obra radical da modernidade como muitos pensam, é uma obra sedutora de vertigens e nisso ela é vanguarda, que não pára nunca ao mesmo lugar. Sempre em movimento, aberta, numa evolução lógica, deslocando-se como tática extremamente coerente com suas convicções fundamentais.

Nascido no dia 12 de novembro de 1915 em Chemburgo, perto do Canal da Mancha, era um grego com os olhos abertos para descobrir as mitologias, lia Michelet e Racine, um francês que lia Platão, Plotino e Heráclito. Filho do tenente da Marinha Louis Barthes que morreu numa batalha naval durante a Primeira Guerra, quando Roland tinha apenas onze meses. Pertencente a uma família burguesa empobrecida e protestante, teve uma infância tranqüila em Boiana, no Sul da França, mas a partir de 1924 a família muda-se para Paris onde Barthes faz seus estudos secundários no Liceu Montaigne e no Liceu Louis-le-Grand, permanecendo até 1934 quando sofre lesão no pulmão esquerdo, sendo obrigado a descansar para tratamento em Bedous, nos Pirineus.

Licenciado em Letras Clássicas pela Sorbonne entre 1935/39, passa a ensinar no Liceu de Biarritz, Voltaire e Carnot, em Paris, além de participar como ator de um grupo de teatro antigo. Entre 1942/46 Barthes tem várias recaídas da tuberculose, internado em diversos Sanatórios, época em que se nutriu longamente de leituras e discussões marxistas, que deixaram nele uma marca definitiva. Finalmente restabelecido em 1948, partiu para Bucareste (Romênia) e Alexandria (Egito) como professor universitário, de 1952 a 1959 ele foi pesquisador do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas), em lexicologia e sociologia, período em que publica três livros e vários artigos, especialmente sobre teatro e a partir de 1962, torna-se orientador de pesquisas na Escola Prática de Altos Estudos da Sorbonne. Publica mais alguns livros de crítica literária, entre os quais um livrinho sobre Racine em 1968, que provocam uma inesperada e intensa irritação em Raymond Picand, mestre poderoso e tradicionalista da velha universidade, provocando polêmica e sucessivos debates em torno da nova crítica, que tornaram Roland Barthes conhecido por um largo público.

Nos três ensaios desse livro Racine (O homem raciniano, Dizer Racine e História ou Literatura), Barthes compõe um exercício de crítica literária em si. Seja de maneira direta, quando o autor reivindica que a crítica universitária assume a psicologia em que se fundamenta, seja indiretamente, quando distingue Racine como uma das linguagens possíveis de nosso tempo. Mas é óbvio que do exercício de várias linguagens sobre a obra raciniana não se retira a “verdade” que supostamente ela deveria conter. Para Barthes, nenhuma delas é inocente, ao contrário, são sistemas de leituras, cujas regras devem ser enunciadas. O exercício de crítica literária, nesse sentido, coteja-se aos outros já feitos, confrontas regras e técnicas, estabelece as suas próprias e, finalmente – enquanto atividade de um indivíduo histórico, uma subjetividade de seu tempo, instaura uma subjetividade possível. Participa, portanto, da própria história da literatura. (1)

A partir desse incidente, suas aulas começam a atrair ouvintes cada vez mais numerosos, e constantemente sendo solicitado para realizar conferências, inclusive no exterior: Estados Unidos, Marrocos, Japão e China. Em 1977 Barthes toma posse da nova cadeira de Semiologia Literária no Collège de France, onde os mais ilustres professores franceses de todas as especialidades oferecem cursos livres e abertos ao grande público. Morto prematuramente em 26 de março de 1980, por atropelamento no momento em que saia do Collège, aos sessenta e cinco anos de idade, no auge da fama, Barthes soube como poucos interpretar as mitologias no nosso tempo, numa linguagem de alta voltagem poética e de múltiplos significados. Um mestre que criou discípulos, renovando, apontando novos cominhos, recuando, avançando, sempre criando, sempre usando sua inteligência crítica, um grande ensaísta que nunca se esqueceu que o ensaio é também literatura, um sedutor de todos os assuntos.

Roland Barthes é uma das figuras decisivas da literatura e da ensaística francesa do século, o principal expoente da nova crítica, seguindo na esteira do new criticism anglo americano e do formalismo russo e valendo-se do moderno instrumental da lingüística e da semiologia. Reabriu o processo de certos autores-chave que a velha crítica passara em julgado, ao mesmo tempo em que institui um enfoque adequado ao entendimento em profundidade das propostas inovadoras da literatura contemporânea. Sua volumosa e intrigante obra encontra-se traduzida para o português e alguns dos seus títulos mais importantes são: O Grau Zero da Escritura – 1953 (Reedição com Novos Ensaios Críticos em 1972). Rejeitado pela Gallimard, foi aceito pela Sevil graças a recomendações do crítico suíço Albert Béguim. Este livro é segundo Barthes “uma reflexão livre sobre a condição histórica da linguagem literária”.

A nova crítica só fora parida ao preço de um desastre radical do autor, colocara-se na vanguarda desse radicalismo, ao afirmar que o texto é, sobretudo signo. São duas importantes obras reunidas num só volume, onde Barthes desenvolve o conceito de escritura, complementar do de estilo e de língua, caracterizando-o como a “moral da linguagem” por via de que o escritor manifesta seu engajamento na sociedade em que vive. Em Novos Ensaios ele nos dá toda a sua medida de crítico ao reexaminar vários ensaios repletos de sugestões instigantes sobre as obras de Júlio Verne, Flauber, Proust e Chateaubriand. (2) Elemento de Semiologia – 1953 é o resultado de cursos ministrados por ele, de maneira sistemática e bem dosada com que apresenta a matéria, sua natureza didática. Dividido em quatro grandes partes, correspondentes a rubricas oriundas da Lingüística Estrutura, Barthes dá ao leitor uma instigante visão geral do campo de estudo da Semiologia e dos instrumentos teóricos, por via dos quais se podem realizar a pesquisa semiológica. (3)

Michelet – 1954 é um estudo sobre o ensaísta e historiador francês Jules Michelet (1798-1874), autor de alguns dos maiores clássicos da historiografia; figura tão sagrada quanto à de Vitor Hugo, onde Barthes traduz e desenvolve num universo de conotações, os principais temas, as obsessões, os mitos que compõe a volumosa (60 títulos) obra de Michelet. O livro trás ilustrações, comentários e uma seleção de textos do próprio Michelet no final de cada capítulo. Barthes analisa os temas adquirindo uma configuração particular, idiossincrática, patológica mesmo, na obra de Michelet, a procura do “único” do “pessoal” do seu objetivo que não é a “vida”, mas a existência de Michelet que o preocupa. E é isso o que Barthes, neste livro, mostra saber como ninguém. Para ele há um “lesbianismo” em Michelet, “Este seria obcecado pelo espetáculo da menstruação; invejaria a camareira, a mulher que compartilha os segredos da ama, que conhece seus fluxos, avalia-lhes a regularidade e a abundância”. Ele destaca ainda as antipatias, os nojos e as atrações físicas que Michelet deixa entrevar ao longo de seu gigantesco panorama histórico. As relações de Michelet com a corporalidade das coisas, com a fluência da água, com o calor da terra, com a fecundidade do sangue, são o tema de Barthes. Seja como for, o resultado é um milagre de percepção crítica, de originalidade e de estilo. (4)

Mitologias – 1957 reúne pouco mais de cinqüenta breves artigos inicialmente publicados (com apenas duas exceções) na revista mensal Letters Nouvelles a partir de 1952, é um livro contra os mitos; onde ele desmistifica a cultura social, deixando de ser crítico literário para ser um sociólogo crítico espontâneo. E demonstra claramente ao destruir os fetiches da burguesia francesa dos anos cinqüenta. Desmontando o mito da crítica irônica dos fatos, Barthes passa a analisá-lo como sistema semiológico, penetrando a partir daí, no campo reservado propriamente à ciência em que engajou e justifica autoridade, como comprova esta sua obra. Com base numa série de textos escritos sobre assuntos cotidianos e com o dito princípio de “realizar, por um lado, uma crítica ideológica da linguagem da cultura dita de massa, por outro uma primeira desmontagem semiológica dessa linguagem”. Roland Barthes consegue desmistificar os mitos em que vêm constituídos inúmeros aspectos de uma realidade constantemente mascarada pela imprensa, pelo cinema, pela arte e pelos demais veículos de comunicação, sempre a serviço de interesses ideológicos. (5) Crítica e Verdade – 1966 é uma coletânea dos ensaios críticos, alguns como Escritores e Escreventes, Literatura e Metalinguagem, O que é crítica, Literatura e Significação, etc. São trabalhos imprescindíveis para quem se preocupa com os problemas da literatura e se propõe encará-los com um enfoque realmente atual. Segundo o próprio autor, a crítica não é uma tradução: “sua tarefa não é obter um significado mais claro de outro mais obscuro, pois nada, acrescenta, poderia ser mais claro que as próprias obras”. Este livro já foi traduzido para numerosas línguas, o que comprova sua importância. (6)

Sade, Fourier, Loyola – 1971, três autores tratados como momentos singulares no universo da ficção sobressaem com a reverência devida aos logotetas, termo forjado para designar os fundadores de línguas. O reencontro dos autores: De Donatien-Alphonso Sade (1740-1813), Barthes gostava de lembrar os punhos de renda branca, teve como perseguidos implacável um tenente de polícia que colecionava perucas. De Charles Fourier (1772-1837), os vasos de flores entre os quais caiu morto, e tinha uma relação voluptuosa com quantificações: as 44 formas de se fazer patês, as 810 paixões próprias a cada um dos sexos ou as 278 opiniões díspares, na Roma Antiga. De Inácio de Loyola (1491-1556), os belos olhos espanhóis, úmidos voltados para o céu, em comoção mística. Neste livro, vamos encontrar um Barthes mais solto, menos permeado pela obsessão demonstrativa ainda presente no seu livro anterior S/Z (1970), onde faz uma análise semiológica da novela Sarrasine, do escritor francês Honoré de Balzac (1819-1850), cujo tema é a trágica paixão do escultor Sarrasine por Zambinella, artista lírico; e já ausente em O Prazer do Texto (1973). Inexistente a partir dessa etapa que tenha ocorrido uma capitulação diante de contendores passados. Barthes não mais precisa exorcizar modelos que a semiologia precisou descartar antes de poder emergir. Como sabemos Barthes em sua jornada intelectual percorreu diversas estações gaulesas obrigatórias: passou do existencialismo e do marxismo para a “psicanálise das substâncias” e as teorias lingüísticas da Saussure, e associou por último a “nova” antropologia de Claude Lévi – Strauss.(7)

O Prazer do Texto – 1973 é um livro onde o autor estabelece sua teoria do texto através de uma leitura dos desejos, funções e possibilidades que este oferece. Faz, assim, a distinção entre o texto de prazer e o texto de fruição, privilegiando o primeiro, por sua conotação eufórica, em detrimento do segundo, marcado pelo signo da perda, que coloca em crise a relação leitor – linguagem. Com este livro Barthes abandona a semiologia e assume o individual contra o universal do modelo estruturalista. É sem dúvida a primeira obra pós – estruturalista importante de Roland Barthes, que confirmam plenamente uma mudança na direção oposta e estética da dificuldade, ainda tão influente na sua opção de modelos literários, quando publicado. O Prazer do Texto nega tanto à cultura quanto à sua destruição o privilégio de albergar o erótico. (8) Roland Barthes por Roland Barthes – 1975 título antológico que não deve induzir o leitor à errônea suposição de que se trate de uma autobiografia – civil, sentimental ou intelectual, nem tampouco de um exercício de auto-análise ou diário confessional. Essa informalidade do texto faculta ao leitor ter de Barthes, uma visão privilegiada, capaz de lançar novas luzes sobre o projeto intelectual desse que é, um dos mais criativos teóricos da literatura e da semiologia que a modernidade conhece. (9)

Fragmentos de um discurso amoroso – 1977 sustentam que hoje “não é mais o sexual que é indecente, e sim o sentimental – censurado em nome do que é finalmente apenas outra moralidade”. Este volume continua sendo um best–seller, dissertação sobre a linguagem própria ao amor – paixão sob o pretexto de uma leitura do amor infeliz de Werther de Goethe (1749-1832), mobiliza modelos críticos que ele próprio ajudou a forjar. O livro contém um ataque contra a depreciação ou rejeição do amor com tal em três fortes sistemas de crença: o cristianismo, a psicanálise e o marxismo. Ele também ataca as éticas amorosas socráticas e românticas, porque ambas apreciam a sublimação, ao passo que ele o maior mérito do amor é o “desaparecimento de toda finalidade”. (10) Aula – 1978 é o texto da aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária lido por Barthes no Collége de France em 7 de janeiro de 1977. Trata–se de um dos textos mais intensos e mais radicais do autor, para ele só a literatura pode fazer “ouvir a língua fora do poder”, por ser o lugar de eleição “das forças de liberdade”, quando mais não fosse pelo exercício daquela “função utópica” que ela sempre escolheu exercer. (11) Incidentes, é um diário íntimo em que ele se revela inteiramente, sem pudores ou rancor. Neste livro Barthes enfrenta elegantemente o duelo com o próprio eu, interrogando – se às vezes aflitivamente outras com lucidez incomum, sobre seu corpo, o erotismo, suas preferências sexuais e frustrações. (12)

O Óbvio e o Obtuso – 1982, obra póstuma que reuni vinte dois textos anteriormente publicados em revistas e catálogos e mais dois ainda inéditos, constitui na prática um novo volume de “ensaios críticos”, essencialmente centrados naquilo a que se poderá chamar estética do visível: a fotografia, o cinema, o teatro e a pintura, mas também a música tem aqui lugar de relevo, ocupando uma parte substancial do livro. Quanto ao título, foi escolhido com base no ensaio sobre Eisenstein (1898-1958).

Esta publicação é a reunião dos seus ensaios críticos dispersos, que apresentam reflexões sobre os sentidos dos signos, os estudos sobre a escritura do visível. Barthes parte de um questionamento sobre o conteúdo da mensagem fotográfica discorre com originalidade sobre o que ela apresenta em termos de conotação e denotação e chega aos conceitos de óbvio e obtuso, a partir da análise de fotogramas de filmes de Serguei Eisenstein. Em seguida, no ensaio O Espírito da Lente, tece elogios ao livro de Massim, que para ele é uma bela enciclopédia de informações e imagens, e partindo das observações sobre a letra ocidental, tomada em seu contexto publicitário ou pictório e em sua vocação de metamorfose figurativa, chega ao Erté ou Ao Pé da Letra. Ainda nesse livro, são de especial interesse, também seus comentários sobre o universo simbólico presente nos trabalhos de Arcimbaldo, que segundo o autor, transforma a pintura numa verdadeira língua: nela tudo significa, tudo é metáfora, ou seja “Arcimbaldo passa, assim, do jogo à grande retórica à magia, da magia à sabedoria”. Na Segunda parte, O Corpo da Música, Barthes comenta a diferença entre “ouvir” e “escutar”, para concluir, a partir das análises de Boucourechliev sobre a música de Beethoven, que está, para ser captada abstrata e sensualmente, assim como a leitura do texto moderno precisa ser operada, atraída para uma práxis desconhecida. (13)

Rumor da Língua – nos permite entrar em contato com vários de seus artigos escritos de 1964 (ano da publicação dos primeiros ensaios), até 1980, ano de sua morte. Nesse livro, o pensamento de Barthes se manifesta em discussões sobre Proust e Brecht, a linguagem do amor e da crítica literária, a definição do termo texto e os prazeres que ele evoca. Uma importante reunião de seus últimos estudos a respeito de suas maiores preocupações: a linguagem, a escrita e os signos por ela utilizados. Dividido em sete temas, ilustra a reflexão plural efetuada por ele, a qual abrange não apenas os sabores do saber de sua época – semiologia, estética, literatura, mas também os homens que os praticam: escritor, intelectual, o jovem pesquisador e o professor. Ou seja, o autor se coloca na posição de quem faz alguma coisa e não de quem fala sobre alguma coisa. (14)

Prefaciando sua exposição dos códigos e significações da novela de Balzac, ele afirma: “Interpretar um texto não é conferir a ele um sentido (mais ou menos plausível, mais ou menos livre), mas, pelo contrário, apreciar a pluralidade que o constitui”. Neste sentido Barthes consegue personificar o texto: é o texto que seduz, que deseja. Enquanto outros críticos empenham – se em sondar os segredos simbólicos ou ideológicos de uma obra, Barthes demonstra uma preocupação íntima com a manipulação verbal do suspense e com detalhes tão prosaicos quanto a cronologia da ficção. Portanto em S/Z o texto analisado, no esforço de manter seu suspense contorce como um criminoso, pois Barthes insiste através de seu método de avançar aos solavancos por entre o que é, afinal, uma narrativa melodramática e romântica. Por tudo isso S/Z é um livro sobre a leitura praticamente ilegível, um lento rastreamento em busca do prazer, enquanto texto é apenas um flerte, mas ele nos ensina a ver múltiplas camadas de interações leitor – autor pairando sobre cada página. (15)

Roland Barthes é polemista, um dos pioneiros no estudo da Semiologia, diferenciou–se dos demais semiólogos estruturalistas seguidores de Saussure, por uma particularidade: à noção acadêmica de signo, ele acrescenta a noção de sujeito. Saboroso por suas mudanças inesperadas em seu fraseado, figura contraditória, um crítico adversário, com uma intrigada gama de teorias e posições que devemos elucidar, foi ele um experimentador público. Sua influência estar vinculada aos vários projetos que esboçou e explorou, influindo de modo decisivo na mudança da forma como pensamos, a respeito de vários fenômenos culturais: da literatura, da moda e da luta livre à propaganda, passando pelas noções do eu, de história e de natureza. Roland Barthes escreveu sobre tudo, a ele nada escapa (avesso à sexualidade e a uniformidade cultural), queria ser seduzido por um tema, pois toda sua obra imensamente complexa é uma tentativa de descrever a si próprio. O produto final do engenhoso discurso crítico de Barthes nos leva a mudança de perspectiva que inclui outra: do enfoque de todo um corpus textual completo, na busca de sua matriz gerativa, por isso passou à leitura mais detalhada de textos particulares.

Barthes é indiscutivelmente o intelectual mais carismático e imponente do nosso século. Assim como Walter Benjamin, que revelou um exemplo extraordinário de crítico cultural literário durante a primeira metade do século. Para ambos a literatura era uma fonte de “inteligibilidade para nossa época”; ambos foram inimigos declarados da burguesia, ambos grandes escritores, embora seja difícil encontrar equivalentes em Benjamin, pois não seguiu a tendência formalista da estética modernista, manteve uma consciência aguda do contexto social dos textos, nunca separando a literatura do seu revestimento histórico. Barthes foi, de fato, um bibliófilo requintado, um garimpeiro de delicadezas, um intelectual brilhante, que publicou em vida vinte livros, dois outros de edição póstuma e uma centena de artigos. Sua morte coincide com a crise dos modismos franceses cujos círculos integraram.

NOTAS

1. Roland Barthes – Racine. Porto Alegre, L & PM Editores, trad. Antonio Carlos Viana, 1987. (Série Especial).
2. ____________ - O Grau Zero da Escritura, São Paulo, Editora Cultrix, trad. Heloysa de Lima Dantas/Anne Arnichand e Álvaro Lorencini, 3 ª. Edição, 1974.
3. ______________ - Elemento de Semiologia, São Paulo, Editora Cultrix, trad. Izidoro Blikstein, 1979.
4. ______________ - Michelet ( par lui – même ), São Paulo, Companhia das Letras, trad. Paulo Neves, 1991.
5. ______________ - Mitologias, São Paulo, Editora Difel, trad. Rita Buongermino e Pedro de Souza, 6 ª. Edição, 1982.
6. ______________ - Críticas e Verdades, São Paulo, Editora Perspectiva, trad. Leyla Perrone – Moisés, 1970 ( Col. Debates n º 24 ).
7. ______________ - Sade, Fourier, Loyola, São Paulo, Editora Brasiliense/Secretaria de Estado da Cultura, trad. Mario Laranjeira, 1990.
8. ______________ - O Prazer do Texto, São Paulo, Editora Perspectiva, trad. Jacó Guinsburg, 1973 ( Col. Signos n º 02).
9. ______________ - Roland Barthes por Roland Barthes, São Paulo, Editora Cultrix, trad. Leyla Perrone – Moisés, 1977.
10. ______________ - Fragmentos de um discurso amoroso, Rio de Janeiro, Editora Francisco Alves, trad. Hortênsia dos Santos, 9 ª edição, 1989.
11. ______________ - Aula, São Paulo, Editora Cultrix, trad. Leyla Perrone – Moisés, 1980.
12. ______________ - Incidentes, Rio de Janeiro, Editora Guanabara, trad. Júlio Castañon Guimarães, 1988.
13. ______________ - O Óbvio e o Obtuso, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, trad. Léa Novaes, 1990.
14. ______________ - Rumo da Língua, São Paulo, Editora Brasiliense, trad. Mario Laranjeira, 1988.
15. ______________ - S/Z, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, trad. Léa Novaes, 1992.

Nenhum comentário: