segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Fernando Pessoa: a escrita como intensidade




Nilson Oliveira
nilson_olliveira@yahoo.com.br
Escritor e editor

O sol dos trópicos pos a febre da pirataria antiga

nas minhas veias intensivas.

Alvaro de Campos

Figuras como os filósofos José Gil e Alain Badiou são casos que cintilam no horizonte pessoano. Suas obras são calçadas por uma intensidade que revela e faz revelar uma abertura para outras margens. Diferença e Negação na Poesia de Fernando Pessoa (Relume Dumara 2003), de José Gil, e Pequeno Manual de Inestética (Estação Liberdade 2002), de Alain Badiou, são livros que, sem engano, combatem, ombro a ombro, para fazer perseverar, na poética e no pensamento, o lastro de Fernando Pessoa.

UMA CONVERGÊNCIA POSSÍVEL


De Fernando Pessoa a Gilles Deleuze, de Deleuze a Pessoa, de Pessoa a toda a sua diversidade heteronímica, José Gil atravessa indo e vindo o cruzamento entre poesia e filosofia, convergindo as duas para a mesma esfera circulante, ecoando numa velocidade além de si para a atmosfera de um inusitado projeto: uma modernidade que se afirma pela superação da transcendência metafísica. Definindo o seu livro como um objeto um tanto estranho, José Gil, através das suas movimentações, arrasta os leitores para uma incursão surpreendente no labirinto pessoano, marcando os pontos convergentes nos quais a poética de Pessoa se deixa perfilar pelos conceitos de Deleuze – trazer para o comentário do texto pessoano instrumentos conceituais deleuzianos. Com efeito, mais surpreendente ainda é ver em Diferença e Negação na Poesia de Fernando Pessoa, José Gil erigir, num plano límpido e perspicaz, conexões entre a filosofia de Deleuze e a poesia de Pessoa, explicitando no seu processo conceitos fundamentais de Deleuze, no aberto do espaço pessoano, lançando mão a questões fundamentais, do tipo: Como construir o plano da imanência ou como construir um corpo-sem-orgãos? Através delas, José Gil indica que os conceitos de Deleuze, questões traçadas em Mille Plateaux, ganham uma imensa vitalidade, quando utilizados como ferramentas de análise no labirinto conceitual dos personagens de Fernando Pessoa, ora expressos em Alberto Caeiro, o devir-outro, ora em Álvaro de Campos, o corpo-sem-órgãos, ora em muitos outros: Bernardo Soares, Fernando Pessoa, etc..., revelando no seu curso, a análise de Gil, uma clareira por onde, através de Gilles Deleuze, areja e reverbera a poesia e o pensamento de Fernando Pessoa.

José Gil deixa claro, no entanto, que o objetivo do seu livro não é comparar Pessoa com Deleuze, mas sim trazer para o comentário do texto pessoano instrumentos conceituais Deleuzianos, e a um só tempo perceber os pontos de convergência, na escrita e no pensamento, entre Deleuze e Pessoa, operando para edificar, no aberto da multiplicidade, um horizonte possível.

SER CONTEMPORÂNEO DE PESSOA

Em Pequeno Manual de Inestética, Alain Badiou, em capitulo dedicado a Fernando Pessoa faz uma aposta que incide em um atravessamento que desloca, revolve, dialoga, na superfície poética de Fernando Pessoa. Badiou se espraia para as bandas do inusitado, tangenciando por dentro e por fora de Pessoa fazendo emergir, pela agilidade de seu movimento, a ponta de um pensamento que desde sempre foi outro, pois Fernando Pessoa foi um artista da palavra, logo um criador, um pensador conceitual que atravessou a escrita gerando dobras e redobras de pensamentos, seja no jogo calidoscópio do múltiplo, nas cintilações de cada heterônimo, seja na tarefa de pensar o impensado, a palavra nova. Badiou, em suas analises, percebe, e a um só tempo faz perceber, a intensidade de Pessoa. Com ele, numa minuciosa analise, Badiou perfila a sombra do contemporâneo, fazendo valer a força de Pessoa, da sua obra, do seu pensamento. E nos diz : o pensamento-poema de Pessoa abre uma via que não chega a ser nem platônica nem anti-platônica, pois naturalmente, Pessoa estava fora dessa. Ele pensou, muito antes de Deleuze, que há dentro do desejo uma espécie de univocidade maquínica. Segundo Badiou: a linha de pensamento singular desenvolvida por Pessoa é tal que nenhuma das figuras estabelecidas pela modernidade filosófica está apta a sustentar sua tensão. Badiou examina a relação poética entre Pessoa e o platonismo: Um grande poema não é a voz do ser nem um encaminhamento em direção à palavra. Ele é uma experimentação local do pensamento no infinito da língua. Segundo Badiou: Fernando Pessoa propõe uma solução a um problema preciso cujos dados ele próprio construiu por meio de imagens, cadências e estilo afirmativo. Trata-se da ligação entre filosofia e vida , entre a filosofia e outras formas de pensamento e de criação. Com efeito, pensar Fernando Pessoa é lançar mão de um sistema vital, de um movimento criativo em que: escrita, pensamento, sensação, se atravessam. Tudo num movimento só, num jorro de intensidade no qual o pensamento persevera. Portanto a tarefa de pensar Fernando Pessoa na atualidade consiste em está atento a um conjunto de movimentações que revolvem sua obra para lances cada vez mais inusitados, curiosos, inesperados, Nomes como Badiou, Jose Gil, são referencias essenciais para qualquer aposta em Pessoa, mas também, em outra margem, em conexões do possível, no jogo intenso das suas próprias movimentações, cabem nomes como Leila Perrone Moises, autora de Fernando Pessoa – aquém do eu além do outro; Rinaldo Gama, autor de O Guardador de Signos: Caeiro e Pessoa; Fernando Segolin, autor de As linguagens Heteronímicas de Pessoa; Eduardo Lourenço, autor de Fernando Pessoa Revisitado; Benedito Nunes, autor de O Dorso Do tigre; o poeta Ney Ferraz Paiva e suas conexões inventivas com Pessoa.

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