sexta-feira, 6 de março de 2009

Quanto mais se vende, mais se cria

Adelitta Monteiro Nunes
ad.monteiro@yahoo.com.br
Graduanda em Estilismo e Moda pela Universidade Federal do Ceará

Daqueles que visualizam apenas o mundo mercadológico da moda e sua alta dosagem de glamour, fetiches e imposições estéticas, talvez fuja uma fantástica discussão a ser levantada: qual a relação existente entre arte e moda? No meio artístico e intelectual uma enorme polêmica é gerada por essa pergunta.

Definir arte é complexo. As opiniões são diversas. Algo crucial na relação da arte com a moda é: até que ponto a arte pode ser comercial? O interesse mercadológico rompe o invólucro da arte, corrompendo-a?A arte de Romero Brito, feita para vender refrigerantes em latinha deixou de ser arte ao sair do universo das telas? As mesmas perguntas possuem, sobre o tema moda, o caimento perfeito da alfaiataria francesa. Acreditar que a moda se resume à fabricação de roupas, sapatos ou colares é um reducionismo lamentável. Crer que tendências de moda são lançadas puramente por estética segue a mesma ótica limitada. As roupas que usamos estão repletas de mensagens, se não fosse assim, não teríamos preferências em relação ao que vestimos. Isso nos mostra que cada peça de indumentária que está sobre o nosso corpo reflete a construção sócio-cultural pela qual passamos ao longo de nossas vidas. A arte é um ótimo termômetro de transformações sociais. Ela possui a peculiar característica de perceber antes as mudanças que estão prestes a acontecer no comportamento da nossa sociedade ao questionar padrões estabelecidos, ao criticar tradições, ao chocar as pessoas com atitudes inovadoras. Vestir arte não é novidade: Na década de 80, Leda Catunda e Leonilson utilizaram códigos da indumentária para compor seus objetos. Vinte anos antes tivemos o lendário Hélio Oiticica. Roupa pode ser arte sim!

O que dizer da mini-saia? Sem entrar no mérito de quem a inventou, se o francês Courréges ou a inglesa Mary Quant, é óbvio que o que levou à criação da mini-saia foi o desejo de violar a ordem social, ela foi um protesto a apologia ao pudor feminino vigente na época. Não é possível desconsiderar os sentimentos geradores da criação de uma peça como a mini-saia e as conseqüências de sua criação, seu lançamento é repleto de significados sociais, culturais, políticos e artísticos, ou seja, trata-se de uma verdadeira peça de arte ousada e transgressora. Porém, o sistema capitalista apropriou-se da criação artística do ou da estilista e atualmente milhares de mini-saias são produzidas por hora com uma única finalidade: gerar lucro. A partir daí, onde fica o conteúdo artístico de tais peças? Talvez no mesmo lugar onde são armazenadas as latinhas de refrigerante decoradas por Romero Brito.

As mega indústrias do meio “fashion” que proporcionam o espetáculo dos grandes artistas nacionais e internacionais do mundo da moda, têm como principal objetivo vender. Elas são cruéis, poluem o meio ambiente, ressaltam desigualdades sociais e causam sofrimento quando impõem padrões de beleza inatingíveis. São mecenas dos atuais artistas da moda. A arte alimentada por esse tipo de relação é arte? Nos anos 60, Lygia Clark e Hélio Oiticica criavam obras artísticas que deveria ser vestidas. Hoje, grandes estilistas criam peças de roupa menos para influenciar pensamentos que para fortalecer mercados. A diferença entre as duas situações é gritante. Talvez se trate de dois modos diferentes de produzir moda-arte. Talvez não.

Um comentário:

Sempre Que Penso... disse...

Depois que inventaram a palavra "fashion", nós podemos tudo!! rsrs