quarta-feira, 5 de agosto de 2009
João do Rio
João Carlos Rodrigues
jcrodrig@terra.com.br
Jornalista e pesquisador
O período literário que sucede ao naturalismo e ao simbolismo, antecedendo o modernismo e o regionalismo, não tem nome. Alfredo Bosi o denominou “pré-modernismo”, o que o define no tempo, mas não no estilo. Belle-époque talvez seja mais adequado, e não apenas pelo excesso de ornamentos estilísticos descrevendo acontecimentos triviais. Assim podem ser estudados em conjunto, apesar de antípodas, os três melhores escritores do início do século passado: Lima Barreto, Adelino Magalhães e João do Rio. Este, nitidamente influenciado por Oscar Wilde (de quem foi um dos primeiros tradutores em português) e Jean Lorrain (o mais decadente dos decadentistas franceses, desafeto de Proust e Debussy), pode ser também considerado um escritor art-nouveau. Não apenas pelo evidente amor pelo exagero de boa parte da sua obra, mas também no sentido dado a esse estilo por Susan Sontag no famoso ensaio Notas sobre o camp, de 1964: o da expressão mais refinada da estética homossexual. Mas ele se alimentou igualmente de uma corrente oposta a essa, o coloquialismo da crônica carioca, principalmente a obra jornalística de Artur Azevedo, admiração que adquiriu ainda criança. Essa mistura paradoxal é que o faz único na literatura brasileira.
Célebre em vida, João do Rio (1881-1921) foi muito imitado; para ser logo esquecido após sua morte prematura; e mal compreendido no futuro, mesmo por estudiosos importantes. Lúcia Miguel Pereira, sempre intolerante, definiu em História da literatura brasileira – Prosa e ficção 1870-1920, sua obra de ficcionista como “subliteratura”, o que passa bem longe da realidade atual, quando alguns dos seus contos, notadamente Dentro da noite e O bebê de tarlatana rosa, são considerados clássicos e integram antologias de renome. Essa pecha cai bem melhor nos seus seguidores nesse gênero. Benjamin Costallat, Patrocínio Filho, Madame Chrysanthème (Cecília Bandeira de Mello), Théo Filho (Teotônio Freire), Sylvio Floreal (Domingos Alexandre) e João de Minas (Ariosto Palombo), são interessantes, mas sem densidade, além trocarem a ironia cosmopolita do nosso João por um moralismo de província. Também Vagalume (Francisco Guimarães) e Orestes Barbosa, que o sucederam na imprensa como cronistas da cidade, embora possuam qualidades, não alcançaram a beleza literária do seu texto. São apenas jornalistas competentes. A crônica carioca precisou aguardar Nelson Rodrigues e José Carlos Oliveira, décadas depois, para ver surgir um nome à sua altura.
A arte e o estilo de João do Rio estão intimamente ligados à cidade do Rio de Janeiro. É o escritor da sua cidade, assim como Balzac e Proust foram os escritores de Paris, e Dickens de Londres. E nela viveu momentos de grande ebulição.
As mudanças urbanas na capital da república no início do século XX foram radicais. Iniciaram-se em 1904 no governo de Rodrigues Alves, que reuniu em seu ministério uma equipe de notáveis. Osvaldo Cruz na Saúde Pública e Pereira Passos na Prefeitura Municipal foram os dois principais agentes dessa transformação urbana, que não se deu por formas suaves e democráticas, mas autoritárias, como a vacina obrigatória contra a varíola e as demolições no centro da cidade, com as respectivas violações dos direitos civis da população pobre. Apesar dos pesares, eram medidas muito desejadas. A umidade e o calor, provenientes do grande número de mangues, somados à falta de esgotos (os dejetos eram atirados nas praias) e ventilação, tornavam inevitável a proliferação de epidemias, que matavam anualmente dezenas de milhares de pessoas. O Rio passara a ser evitado pelos navios estrangeiros, e fora suplantado por Santos como principal porto exportador.
A reforma mostrou-se ambiciosa e de longo prazo, durando quase uma década. Foram aterradas todas as praias da região do Caju, possibilitando a ampliação do porto; proibidas hortas e chiqueiros no perímetro urbano; a ordenha de vacas em via pública; e outras medidas profiláticas. A construção da avenida Central (atual Rio Branco), arborizada como os bulevares da capital francesa (então uma grande novidade), desalojou cerca de 20 mil moradores de cortiços, que subiram os morros, inaugurando a população de favelados. Por cima desses escombros surgiu uma cidade francesa, ou afrancesada, logo apelidada de “Paris dos trópicos”. As fotos de época justificam seu apelido de Cidade Maravilhosa, que ainda conserva hoje em dia, já com menos razão.
Essa revolução foi quase pacífica. “Quase” porque os opositores do governo, em especial positivistas e militares jacobinos, insuflaram os descontentes das classes populares na dita Revolta da Vacina, logo sufocada. Mas nada foi mais como antes. Não apenas mudou o cenário urbano, como a mentalidade da população. E para isso foi primordial o papel da imprensa, que abandonou uma paginação provinciana e sem imaginação, para aderir às novidades vindas da Europa. Surgiram assim as manchetes, os subtítulos, as reportagens, as entrevistas, as charges, as fotografias abundantes, e as caricaturas. O principal veículo dessa renovação foi a Gazeta de Notícias, onde o jovem Paulo Barreto foi trabalhar em 1903 aos 22 anos, adotando o pseudônimo de João do Rio, logo tornando-se um dos mais populares jornalistas da cidade e do país.
Sua obra publicada em livro, na verdade um conjunto de coletâneas temáticas de artigos saídos na imprensa, exibe muito bem seu talento inovador e eclético. As religiões no Rio (1904), Fados, canções e danças de Portugal (1910), Portugal d’agora (1911) e os três volumes de Na Conferência de Paz (1919) são reportagens; O momento literário (1905) é composto de entrevistas; Psicologia urbana (1911) reúne conferências; Era uma vez (1909), Dentro da noite (1910), A profissão de Jaques Pedreira (1911), A correspondência de uma estação de cura (1918), A mulher e os espelhos (1919) e Rosário da ilusão (1921) pertencem ao gênero ficção; já A alma encantadora das ruas (1908), Cinematographo (1909), Vida vertiginosa (1911), Os dias passam (1912); Nos tempos de Venceslau (1917) e Pall-Mall-Rio (1917) são crônicas de costumes; fora as peças de teatro (A bela Madame Vargas, Eva, Clotilde, Que pena ser só ladrão!).
João do Rio foi um mestre da crônica, essa interessante simbiose entre o jornalismo e a literatura. Quase uma invenção luso-brasileira, a crônica fora inicialmente intitulado folhetim, para distingui-lo da crônica histórica, considerada mais nobre. José de Alencar, Machado de Assis, Coelho Neto, Olavo Bilac e Artur Azevedo, grandes medalhões, foram cultores desse tipo de literatura. Agrippino Griecco (A evolução da prosa brasileira, 1933) o considerava “confuso e ilusório, híbrido e borboleteante”, e o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa o define como “texto literário breve, em geral narrativo, de trama pouco definida, e motivos extraídos do cotidiano imediato”. Para Machado de Assis é a “fusão admirável do útil e do fútil” e para Afrânio Coutinho (Enciclopédia da Literatura Brasileira, 1990), um “gênero literário de prosa, ao qual menos importa o assunto, em geral efêmero, do que as qualidades do estilo”. Esse mesmo autor revela que João do Rio, “iniciador da crônica social moderna”, provocou uma revolução na “ousada tentativa de levar a crônica à categoria de um gênero não apenas influente, mas também dominante”.
A ele pertence o livro Vida vertiginosa, um dos melhores entre os menos conhecidos, publicado em 1911, um ano após a eleição do autor para a Academia Brasileira de Letras, no auge do prestígio, e que só agora ganhou uma segunda edição pela Martins Fontes. É um dos últimos volumes publicados pelo autor em seu período áureo. Nessa época, sua coluna Cinematographo ocupava uma página inteira da Gazeta, quase sempre a primeira ou a última. Nomeado para altos cargos na administração do jornal, devido ao seu grande sucesso, João do Rio teve assim muito diminuído o tempo que podia dedicar à literatura, e mesmo à reportagem.
Numa entrevista em julho de 1917 à Revista da Semana, revelou-se amargamente consciente dessa situação. “Mas é impossível que os escritores não vejam o grande momento que estamos atravessando, para o fixar. Épocas anteriores tiveram fixadores dignos: Alencar, Macedo, o grande Artur Azevedo. Só esse momento não tem um romancista que o sinta e reflita tal qual é. Entretanto a vida social do Rio neste período de transformação daria para uma obra de história social maior que a de Balzac”. O repórter pergunta: “– E o senhor?” Ele responde: “– Eu não tenho tempo! Tenho notas, observações, esquemas para 40 ou 50 volumes necessários, e com 36 anos e a dura luta pela vida é totalmente impossível realizá-los. Há enredos de livros inteiros que resumo em crônicas e contos”.
Modern girls, que selecionamos para publicação, tem muito do sensualismo característico da literatura decadentista, sendo mais que uma crônica, quase um pequeno conto. Escrito em 1910, trata do atualíssimo assunto da pedofilia e da prostituição infantil. É impressionante como no curto espaço de cinco páginas, tanta perversidade nos seja exposta, numa narrativa tão intrincada. Dois dândis amorais, um cínico e um pessimista, comentam, numa confeitaria da moda, o comportamento de uma dupla de rapazes vulgares de outra mesa, que tentam seduzir duas ninfetas, sob o nariz da própria mãe delas. Mas há um terceiro observador, solitário e silencioso, que se revela o mais depravado de todos, com a chocante cumplicidade de quem menos se espera. “O Rio civiliza-se!”, proclamava então o jornalista Figueiredo Pimentel na sua coluna Binóculo. Tempos modernos, vícios moderníssimos. E assim caminha a humanidade, desde sempre, para sempre.
Anexo: Crônica Modern Girls de João do Rio
- Xerez? Cock-tail?
- Madeira.
Eram 7 horas da noite. Na sala cheia de espelhos da confeitaria, eu ouvia com prazer o Pessimista, esse encantador romântico, o último cavalheiro que sinceramente odeia o ouro, acredita na honra, compara as virgens aos lírios e está sempre de mal com a sociedade. O Pessimista falava com muito juízo de várias coisas, o que quer dizer: falava contra várias coisas, e eu ria, ria desabaladamente, porque as reflexões do Pessimista causavam-me a impressão dos humorismos de um clown americano. De repente, houve um movimento dos criados, e entraram em pé de vento duas meninas, dois rapazes e uma senhora gorda. A mais velha das meninas devia ter 14 anos. A outra teria 12 no máximo. Tinha ainda vestido de saia entravada, presa às pernas, como uma bombacha. A cabeça de ambas desaparecia sob enormes chapéus de palha com flores e frutas. Ambas mostravam os braços desnudos, agitando as luvas nas mãos. Entraram rindo. A primeira atirou-se a uma cadeira.
- Ufa! que já não posso!...
- Mas que pândega!
- Não é, mamã?...
- Eu não sei, não. Se o seu pai souber...
- Que tem? Simples passeio de automóvel.
A menor, rindo, aproximou-se do espelho.
- Mas que vento! Que vento! estou toda despenteada...
Mirou-se. Instintivamente olhamos para o espelho, era uma carita de criança. Apenas estava muito bem pintada. As olheiras exageradas. As sobrancelhas aumentadas. Os lábios avivados a carmim líquido faziam-lhe uma apimentada máscara de vício. Era decerto do que gostava, porque sorriu à própria imagem, fez uma caretinha, lambeu o lábio superior e veio sentar-se, mas à inglesa, trançando a perna,
- Que toma?
- Um chope.
A outra exclamou logo:
- Eu não, tomo uísque, whisky and caxambu.
- All right.
- E a mamã?
- Eu, minha filha, tomaria um groselha. O senhor tem?
- Esta mamã com os xaropes!
E voltou-se. Entrava um sujeito de cerca de 40 anos, o olho vítreo, torcendo o bigode, nervoso. O sujeito sentou-se de frente, despachou o criado, rápido, e sem tirar os olhos do grupo, em que só a pequena olhava para ele, mostrou um envelope por baixo da mesa. A pequena deu uma gargalhada, fazendo com a mão um sinal de assentimento. E emborcou com galhardia o copo de cerveja.
Nem a mim, nem ao Pessimista aquela cena podia causar surpresa. Já a tínhamos visto várias vezes. Era mais um caso de precocidade mórbida, em que entravam com partes iguais o calor dos trópicos, e a ânsia do luxo, e o desespero de prazer da cidade ainda pobre. Aqueles dois rapazes, aliás inteiramente vulgares, para apertar, palpar e debochar duas raparigas, tinham alugado um automóvel, mas tendo nele a mãe como contrapeso. A boa senhora, esposa de um sujeito decerto sem muito dinheiro, consentira pelo prazer de andar de automóvel, pelo desejo de casar as filhas, por uma série de razões obscuras em que predominaria decerto o desejo de gozar uma vida até então apenas invejada. O homem nervoso era um desses caçadores urbanos. A menina, a troco de vestidos e chapéus, iria com ele talvez...
- É a perdição! bradou o Pessimista.
- É a vida...
- Você é de um cinismo revoltante.
- E você?
O Pessimista olhou-me:
- Eu, revolto-me!
- E o que adianta com isso?
- Satisfaço a consciência...
- Que é uma senhora cada vez mais complacente.
O Pessimista enrouqueceu de raiva. Eu, com um gosto familiar, tirei o chapéu às meninas - que imediatamente corresponderam ao cumprimento.
- Oh diabo! conhecei-as!
- Nunca as vi mais gordas.
- E cumprimenta-as ?
- Por isso mesmo: para as conhecer. É que essas duas meninas são, meu caro Pessimista, um caso social - um expoente da vida nova, a vida do automóvel e do velívolo. O homem brasileiro transforma-se, adaptando de bloco à civilização; os costumes transformam-se; as mulheres transformam-se. A civilização criou a suprema fúria das precocidades e dos apetites. Não há mais crianças. Há homens. As meninas, que aliás sempre se fizeram mais depressa mulheres que os meninos homens, seguem a vertigem. E o mal das civilizações, com o vício, o cansaço, o esgotamento, dá como resultado as crianças pervertidas. Pervertidas em todas as classes; nos pobres por miséria e fome; nos burgueses por ambição de luxo; nos ricos por vício e degeneração. Certo, há muitíssimas raparigas puras. Mas estas, que se transformaram com o Rio, estas que há 10 anos tomariam sorvete de olhos baixos e acanhadas, estas são as modern girls.
- Um termo inglês...
- Diga antes americano - porque americano é tudo que nos parece novo. Antigamente tremeríamos de horror. Hoje, essas duas pequenas são quase nada de grave. Semi-virgens? Contaminadas de flerte? Sei lá! É preciso conhecer o Rio atual para apanhar o pavor imenso do que poderíamos denominar prostituição infantil. Este é o caso bonito - não se aflija - bonito à vista dos outros, porque os outros são sinistros. O que Paris e Lisboa e Londres, enfim, as cidades européias oferecem tão naturalmente, prolifera agora no Rio. A miséria desonesta manda as meninas, as crianças, para a rua e explora-as. Há matronas que negociam com as filhas de modo alarmante. Há cavalheiros que fazem de colecionar crianças um esporte tranqüilo. A cidade tem mesmo, não uma só, mas muitas casas publicamente secretas, freqüentadas por meninas dos 12 aos 16 anos. Ainda outro dia vi uma menina de madeixas caídas e meia curta. Olhou-me com insolência e entrou numa casa secreta, que fica bem em frente ao ponto de carros elétricos em que me achava. Estas talvez não façam isso ainda, estas são as eternas pedidas.
- As eternas pedidas?
- Criaturinhas como o trópico, o vício das ruas, o apetite do luxo que não podem ter, criaturinhas que desde o colégio, desde os 10 anos, se enfeitam, põem pó de arroz, carmim, e namoram. O lar está aberto aos milhafres, como se diria antigamente nos dramalhões. Elas têm um noivo, quando deviam estar a pular corda. É um rapaz alegre, que lhes ensina coisas, e pitorescamente lhes dá o fora tempos depois, desaparecendo. Logo aparece outro. As meninas, por vício e mesmo porque lhes pareceria deprimente não ter um apaixonado permanente, recebem esse e com ele contratam casamento. Ao cabo de dois ou três meses a cena repete-se e vem terceiro, de modo que é muito comum ouvir nas conversas das pobres mamãs: - “A minha filha vai casar”. - “Ah, já sei, com aquele rapaz alto, louro?” - “Não. Agora é com aquele baixo, moreno, que em tempos namorou a filha do Praxedes...”
- Você é imoral...
- Estou a descrever-lhe um mal social apenas. Não é assim? É. São as modern girls. E o mesmo fenômeno se reproduz na alta sociedade, com mais elegância, sem a declaração de noivado oficial, mas com um flerte tão íntimo que se teme pensar não ser muito mais... Quais as idéias dessas pobres criaturinhas, meu caro Pessimista? Coitaditas! Ingenuidade, a ingenuidade do mal espontâneo. Elas são antes vítimas do nome, da situação, do momento, da sociedade. Nenhuma delas têm plena convicção do que pratica. E algum de nós, neste instante vertiginoso da cidade, tem plena consciência, exata consciência do que faz?
- Estamos todos malucos.
- Di-lo você! O fato é que de repente nos atacou uma hiper-fúria de ação, um subitâneo desencadear de desejos, de apetites desaçaimados. Não é vida, é a convulsão de um mundo social que se forma. O cinismo dos homens é o cinismo das mulheres, seres um tanto inferiores, educados para agradar aos homens - vendo os homens difíceis, os casamentos sérios, o futuro tenebroso. As modern girls! Não imagina você a minha pena quando as vejo sorrindo com impudência, copiando o andar das cocotes, exagerando o desembaraço, aceitando o primeiro chegado para o flerte, numa maluqueira de sentidos só comparável às crises rituais do vício asiático!... Elas são modernas, elas são coquetes, elas querem aparecer, brilhar, superar. Elas pedem o louvor, o olhar concupiscente, como os artistas, os deputados, as cocotes; as palavras de desejo como os mais alucinados títeres da luxúria. E tudo por imitação, porque o instante é esse, porque o momento desvairante é de um galope desenfreado de excessos sem termo, porque já não há juízo...
- Virou moralista?
- Como Diógenes, caro amigo.
Entretanto, o grupo das meninas e dos rapazes acabara as bebidas. Os rapazes estavam decerto com pressa de continuar os apertões nos automóveis.
- Vamos. Já 20 minutos.
- Não quer mais nada, mamã?
- Não, muito obrigada.
- Então, em marcha.
- Para a Beira-Mar!
- Nunca! interrompeu um dos rapazes. Vou mostrar-lhes agora o ponto mais escuro da cidade: o Jardim Botânico .
- Faz-se tarde. Olha teu pai, menina...
- Qual! Em 10 minutos estamos lá! É um automóvel esplêndido.
- Partamos.
O bando ergueu-se. Houve um arrastar de cadeiras. Saiu a senhora gorda à frente. A menina mais velha seguia com um dos rapazes, que lhe segurava o braço. A menina menor também partia acompanhada do outro, que lhe dizia coisas ao ouvido. Ficamos sós - eu, o Pessimista e o homem nervoso da outra mesa, o tempo, aliás apenas para que o homem nervoso se levantasse, e, tomando de um lenço que ficara esquecido na mesa alegre, o embrulhasse com a sua carta... A menor das meninas voltava, rindo, a dizer alto para fora:
- Esperem, é um segundo...
Correu à mesa, apanhou o lenço com a carta, lançou um olhar malicioso para o homem, e partiu lépida, sem se preocupar com o nosso juízo.
- Essas é que são as ingênuas? berrou o Pessimista.
- Há ingênuas e ingênuas. Ingênuas xarope de groselha...
- E ingênuas whisky and caxambu?
- Exatamente. Esta, porém, é menos que uísque, e mais que xarope - é o comum das modern girls , o que se pode chamar...
- Uma ingênua cock-tail?
- E com ovo, excelente amigo, e com ovo!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
Caro Rodrigues,
Tenho muita vontade de ler estes autores que mencionas aqui: "Benjamin Costallat, Patrocínio Filho, Madame Chrysanthème (Cecília Bandeira de Mello), Théo Filho (Teotônio Freire), Sylvio Floreal (Domingos Alexandre) e João de Minas (Ariosto Palombo)". Por acaso podes me dar uma dica de onde encontrá-los? acaso tens algum deles?
Conheço o Do Rio (editei cinco crônicas do Cinematrógafo, na grafia antiga) e pretendo fazer uma antologia sobre contos insanos ("Dentro da noite" vai entrar, assim como Adelino Magalhães, Carlos de Vasconcelos e Gastão Cruls (que Brito Broca também chama de subliteratura). Gosto desse termo sub. Aliás, o Adelino tem um conto muito semelhante a este que postas aqui, chama-se "As bizuquinhas". Dois caras que falam numa mesa de bar sobre como comeram duas meninas, uma delas tinha uns 9 ou 10 anos.
Bem, já me alongo...
Gostei do seu texto e da proposta de seu blogger.
Abraços,
Camilo Prado.
Postar um comentário