quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Cora Coralina

Escritor e jornalista

Grande expressão literária do século passado em Goiás, reconhecida tardiamente, embora desde a sua estréia em um almanaque provinciano tenha inspirado a admiração de contemporâneos mais antenados com o fenômeno literário, Cora Coralina continua vivíssima em tudo aquilo que escreveu e produziu. Em tudo impôs a marca do seu talento.

Tendo vivido numa pobreza imensa, Cora Coralina atribuiu vida eterna a uma gente anônima, marginalizada e sem história, como o agricultor que vive sujeito à vontade do patrão e aos caprichos do tempo; como a mulher do povo, desbocada, proletária e parideira; como a lavadeira do rio Vermelho com o seu cheiro gostoso de água e sabão; como a cabocla velha de mau-olhado, acocorada ao pé do borralho, olhando o fogo; como a mulher cozinheira em sua cozinha bem cacheada de picumã, pisando alho e sal...

Como o próprio Carmo Bernardes, extraordinário escritor telúrico com quem passei uma das horas mais intensas de toda a minha vida, Cora Coralina forjou com sensibilidade e paciência um permanente diálogo com o seu povo e o elevou, através dos seus impressivos escritos, à mais alta potência.

Uma tarde, no terraço da sua casa do Setor Pedro Ludovico, em Goiânia, Carmo Bernardes me disse, sem esconder a satisfação, que Cora havia “bagunçado” a literatura goiana, incluindo em seus escritos os “pobres de Deus”, uma gente estigmatizada pela penúria e a privação. Não seria exagerado dizer que Goiás vive e respira em seus versos repletos de sortilégios baseados na tradição e em um imaginário riquíssimo.

Embora tenha se exprimido majoritariamente em versos, Cora Coralina não gostava de ser incluída entre as poetisas. Talvez temesse ser confundida com aquelas mulheres literatas que lançam suas efusões íntimas sobre o papel, sem nenhum outro compromisso com a estética, a não ser o de promover o sacrifício de árvores. Certamente Cora temia ser confundida com elas e em conseqüência dessa promiscuidade, desvalorizada em sua essência. Preferia explicar o seu livro à sua maneira: “Versos... Não/ Poesia... Não./ Um modo diferente de contar velhas estórias”...

No fim da vida, cercada de glória, Cora Coralina fazia doces para sobreviver. Porém, mais do que a qualquer político ou administrador, deve-lhe Goiás páginas imortais e aquele brilho que não é negociável e que distingue o verdadeiro artista, que não depende dos favores de ninguém e só conta, de fato, com o tempo que redimensiona tudo. Por isso é que se diz que todo grande artista é póstumo.

2 comentários:

Miguel Leocádio Araújo disse...

Rodrigo, este artigo sobre a Cora Coralina me fez relembrar a leitura do livro Poema dos becos de Goiás e histórias mais, que conheci na minha adolescência e até hoje guardo com apuro que cora merece. Gostei demais.

Petro disse...

Não conhecia Cora Coralina ainda. Digo serem belos os ornamentos com que despoja sua personalidade... é de mulheres como ela que o mundo carece hoje...

Agradece,

Pedro.