sábado, 9 de maio de 2009

Os muros: lamentações




Rodrigo C. Vargas

Em 1989 o mundo assistiu pela tevê – de forma espetacular - a queda de um símbolo de opressão e intolerância: o Muro de Berlim. Aquelas imagens foram repetidas incansavelmente, e talvez por isso, a importância do fim da guerra fria e da divisão ocidental e oriental na Alemanha tenha perdido eficiência diante da anestesia imagética exaustiva. O resultado disso é que aquele muro caiu, no entanto, muitos outros foram erguidos com o mesmo objetivo: separar pessoas.

“não existe uma ordem da vida humana, ou de nossa maneira de ser, ou da natureza humana à qual possamos nos referir para julgar ou avaliar os modos de vida. Existem apenas diferentes ordens impostas pelos homens ao caos primitivo, segundo sua vontade de potência” (Charles Taylor)

Hipertrofia da memória


Em 2006, o senado americano aprovou a construção do muro em 1125, dos 3141 quilômetros de fronteira com o México - Ariel Sharon sob o pretexto de estar evitando a infiltração de terroristas suicidas palestinos começou a construir em 2002 um muro separando Israel da Cisjordânia. A barreira corta 721 km de terras palestinas e isola cerca de 450.000 pessoas - 500 quilômetros de redes metálicas e fios elétricos separam Botsuana do Zimbábue no sul da África. 30% de todos os diamantes do planeta saem das minas de Botsuana - O condado argentino de San Isidro, no norte da Grande Buenos Aires iniciou a construção de um muro cobrindo uma área total de 16 blocos e medindo 3 metros de altura, criando uma barreira com a localidade vizinha de San Fernando. Tudo para trazer mais segurança para a população que se diz constantemente roubada por pessoas do distrito vizinho - A fronteira Índia-Bangladesh tem cerca de mais de 3.000 km e parte já está separada por uma cerca eletrificada. O governo indiano, alega que essa foi a única forma de deter extremistas islâmicos e reprimir o tráfico de seres humanos e o contrabando de mercadorias.

Muro tropical

A imprensa brasileira faz análises constantes sobre as várias barreiras que deitaram, principalmente quando o objetivo é desqualificar a cultura socialista, mas esquece de questionar a produção das barreiras que se levantam por força do capital (modelo que sustenta a atual imprensa) como a construção de muros cercando as 11 favelas cariocas. A pauta permanece invisível mesmo quando a ação é considerada atentatória dos direitos humanos pelos membros do Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais da Organização da ONU. Um dos membros do comité inclusive, classificou a medida como discriminação geográfica.

Sua utilidade é duvidosa sobre quaisquer aspectos e gera conflitos desnecessários como o ser comparado ao Muro de Berlim, como fez o escritor português José Saramago. Ainda assim, o governo carioca tenta argumentar dizendo que a obra é uma tentativa de conter a expansão das moradias irregulares em áreas de vegetação. Uma busca esquizofrênica por camuflar uma ação econômica sob o ponto de vista do meio-ambiente. A resposta para isso é geográfica: o projeto inicialmente será implantado apenas na zona sul, área nobre da cidade.


O que não foi dito, ou escrito e precisa ser esclarecido é que essas barreiras não mobilizam grupos ou povos. Apenas deixam claro que há dois lados. Para Foucault, o poder é menos uma propriedade do que uma estratégia. Não tem essência: é operatório. Não atua exclusivamente por violência ou repressão: é produtor de gestos, atitudes e saberes. Um bom exemplo está no que acontece na maioria dos prédios das grandes cidades, Bunkers, preparados para uma violência imaginária, travestida de propaganda. Um belo carro, uma bela família, o apartamento dos "sonhos". É a impotência causada pelo cinismo. É o momento em que o cidadão desaparece e dá lugar ao consumidor. O produto dessa ação provoca uma reação que não é natural, mas se naturaliza como o agente formador desse delírio. Muitas vezes, a instância de poder não tem lado definido e fica difícil apontar quem é o infrator, se é quem está do lado de dentro do muro ou quem busca ver através dele. Separar os diferentes não faz durar os que se acham iguais. A descrença em tudo é a nova ordem. Quer dizer, o homem é descrente, menos quando consome. Uma lógica simples que conduz a gastar mais e questionar menos. É preciso desconstruir esse mundo e não destruí-lo.

Exemplos breves

200 quilômetros de muros e cercas separam a Coréia do Norte da Coréia do Sul. É a fronteira mais vigiada e explosiva do mundo.

27 quilômetros de muro cortam os bairros de Belfast dividindo a cidade entre protestantes e católicos. Dominada há séculos pelo Reino Unido, a Irlanda do Norte é palco de antigo conflito entre protestantes (58% da população) e católicos (42%), que vivem lado a lado. Os de maioria querem continuar súditos da Rainha, e a outra parte independência. Quase 4 mil pessoas foram mortas em conflitos entre os dois lados.

Os mais antigos

O muro de Hadrien, construído de 122 a 127 d.C. protegia a Grã-Bretanha no período em que as ilhas eram dominadas pelo império romano. Sua extensão era de uma centena de quilômetros que ía do mar da Irlanda ao Mar do Norte.

O mais antigo é a Grande Muralha da China, construída no III século a.C. em 2.700 km que protegiam o império do Meio dos cavaleiros vindos da Ásia Central.

2 comentários:

Renato Pessoa disse...

É interessante como Rodrigo Vargas é lúcido e dominador dos mais diversos assuntos. É um gênio, perdido por aqui. Digo perdido não desmerecendo o meu Ceará, mas é triste vê-lo aqui, limitado. Polivalente, atua com a mesma força tanto no entretenimento, como no jornalismo. Sabe como ninguém abordar o cinema, a literatura, a múscia, a história, o presente. Vamos dar a César o que é de César. Ele é o melhor. Parabéns. Texto muito bem escrito

Larissa disse...

É a mais pura verdade: os muros foram erguidos. Um apenas foi derrubado, ou mesmo vem tentando cair. Não apenas os muros físicos, de pedra, mas os ideológicos. São inúmeros... além desses os muros nas mentes das pessoas, cada uma, particularmente que exitam em ser realmente racionais e buscar uma certa harmonia... o respeito, ao menos.
Perfeito texto o seu.
Seu programa é uma esperança de que a TV e o jornalismo tenha algum futuro bom.

;**