quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Padre Mororó: Mártir rebelde da confederação do equador

Evaldo Lima
chicoevaldo@yahoo.com.br
graduado em História pela UECE e Direito pela UFC

Se deixe ficar por instantes na sombra desse baobá que virão fantasmas errantes, dos sonhos eternos falar... ( Ednardo – Passeio público)

A Igreja do Rosário estava lotada naquela manhã ensolarada de domingo para a macabra missa fúnebre de corpo presente. Dois rebeldes confederados assistiam à cerimônia de encomenda dos seus corpos que logo mais seriam crivados de balas. O ritual macabro possuía roteiro de um teatro de horrores: encomenda prévia da alma com os “eleitos” presentes, degradação das honras, formação do aparato militar e fuzilamento público para uma platéia sedenta de sangue. Mas, afinal, quais os sonhos dos rebeldes tropicais da confederação do equador?

Padre Mororó foi condenado à morte por crime de Lesa Majestade. Contra ele pesavam três crimes:

1) Ter proclamado a República em Quixeramobim;
2)Ter servido de secretário do Presidente da República no Ceará, Tenente Coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe;
3) finalmente, de ter sido o redator do Diário do Governo do Ceará, órgão dos Republicanos.

A Confederação do Equador foi um movimento rebelde, liberal e republicano contra o absolutismo do Imperador Dom Pedro I. O mesmo príncipe que com o apóio das elites proclamou a Independência do Brasil do colonialismo português agora demonstrava sua face mais tirânica e cruel. Impôs uma Constituição despótica em 1824 e condenou à morte Mororó, Caneca, Carapinima, Miguelinho, João Ribeiro e tantos mais que ousaram sonhar pela liberdade. Mororó foi mais. Usou como canal de propagação das idéias confederadas um jornal, o primeiro do Ceará, o “Diário do Governo do Ceará”, certamente inspirado no Correio Brasiliense, primeiro jornal do Brasil, editado de Londres e enviado clandestinamente para o Brasil.

O nosso primeiro jornal não era editado em Londres e sim em Quixeramobim, mas também propagava luzes contra o jugo dos poderosos, as trevas do autoritarismo. Mororó pagou com a vida o preço dessa ousadia. Ao findar a missa, o Padre Gonçalo Ignácio de Loiola Albuquerque, ou melhor Padre Mororó, e o coronel João de Andrade Pessoa Anta caminharam sem pressa pela Rua dos Mercadores( Hoje Conde D’eu) , seguiram pelo trecho da hoje Rua Guilherme Rocha, dobrando na Rua Major Facundo e prosseguiram até o Campo da Pólvora. Não estavam sós. Populares e soldados acompanharam o cortejo. Alguns dependurados nos galhos das árvores. Quando um dos galhos quebrou, parte do populacho foi ao chão como frutas podres que despencam em meio a zombaria geral. Mororó até esboçou um sorriso, mas o enredo era trágico e não cômico. O povo que os rebeldes confederados queriam libertar pouco ou nada sabia sobre as causas daquele movimento. Diante do pelotão de fuzilamento, Padre Mororó recusa a venda e pede que não lhe ponham no peito a fita que indicava o local da mira, coloca a mão direita sobre o coração e corajosamente diz para o pelotão: “camaradas, o alvo é este. Tiro certeiro para que não me deixem sofrer muito”.

O sangue do padre banhou o Baobá, árvore gigante importada da África. Ali, ao pé da baobá, muitos outros tombaram porque ousaram sonhar com um Nordeste Independente do resto do Brasil, um país tropical livre e republicano contra o Absolutismo de Dom Pedro I. Hoje o local se chama Praça dos Mártires, ou Passeio Público, e os fantasmas rebeldes confederados nos cobram a memória do passado e os compromissos de luta do presente.

3 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto. EStudei em escola particular minha infancia inteira e nunca ninguém falou sobre a Confederação do Equador de uma maneira que não fosse "decoreba". Fico feliz que os alunos de hoje tenham liberdade para estudare descobrir mais sobre os movimentos nativistas brasileiros e sobre o alienamento histórico que nos é imposto por formação.

Anônimo disse...

Nós só sabemos da história "oficial" e mal...
Os soldados também faziam com os confederados mais ou menos o que os médicos de hitler faziam com os prisioneiros. Já ouvi histórias horríveis sobre isso.
A missa fúnebre e a marcha até o local da execução dão inveja a qualquer ditador no mundo.

Otacílio disse...

Cara parabéns pelo texto... agora só me resta uma dúvida... quem planto o baobá, foi senador Pompeu? Pois li em alguns lugares que foi plntado em 1910, só que a execução dos confederados aconteceu em 1827?