Rodrigo C. Vargas
Mesmo depois de ter deixado de circular há mais de 30 anos, a revista O Saco ainda é motivo de discussões, analises e muita suposição, e só por isso já deixa de ser um mero espectador da história, passando assim, a ser um dos meios possíveis para compreendê-la.
A revista cearense não vendeu 225 mil exemplares com apenas sete meses de existência nem muito menos sofreu com ataques terroristas como O Pasquim que em março de 1970 descobriu uma bomba rudimentar no quintal da sede da revista. Não tinha uma redação que considerava o jornalismo a coisa mais importante do mundo como a de Realidade. Não contava com uma grande administração como a Bondinho que da captação de anúncios a produção e compra de papel tinha uma equipe montada e chefiada por Narciso Kalili. Nunca foi ligada a partidos como foi Versus, uma das mais radicais manifestações de comunicação alternativa pertencente ao Partido Socialista dos Trabalhadores (PST). Não teve uma equipe numerosa como foi Coojornal que chegou a contar com 100 profissionais, com editorias de agricultura e cooperativismo, um departamento especializado, um agencia de noticias e uma agencia de fotografias.
Justamente por essas diferenças que O Saco se destaca. Não há na história da imprensa alternativa uma revista com características semelhantes. A única coisa que interessava era publicar arte. Literatura, artes gráficas e/ou plásticas, e jornalismo, não noticioso mas histórico, com levantamentos sóbrios sobre movimentos culturais cearenses importantes como a Padaria Espiritual e o movimento Clã.
Em maio de 1975, aconteceu a primeira reunião que originou a revista na casa do Dr. Hyder Correa Lima, pai de Carlos Emilio Barreto Correa Lima, um dos 72 intelectuais cearenses presentes naquela tarde. Poucos meses depois foi formado o conselho editorial composto na prática por Carlos Emilio (jovem estudante de medicina e letras), José Jackson Coelho Sampaio (escritor, poeta e psiquiatra), e Nilto Maciel (redator publicitário e estudante de direito), embora apareçam como “assistentes” no primeiro número. Não havia um ouvidor. Os três solicitavam colaborações, liam e faziam a seleção. O jornalista Edmundo de Castro que no primeiro número assinou como editor, emprestava o nome porque era o único formado em jornalismo, como exigido por lei.
A diferença d´O Saco para as demais publicações alternativas também era porque seu corpo de editores não era formado por jornalistas. Era uma revista de arte sem nenhuma pretensão política, apesar de Manoel Coelho Raposo ser militante histórico do PCB, Jackson Sampaio ter atuado até 1976 como militante da juventude comunista do mesmo partido; e de Nilto Maciel ter atuado pelo Partido Operário Revolucionário.
O primeiro número da revista saiu em abril de 1976 com 32 páginas e a colaboração de nomes desconhecidos e outros consagrados nas diversas áreas artísticas que compreendiam O Saco. No caderno Prosa, conto de Airton Monte titulado Ave Noturna com ilustração de Humberto, o diagramador do grupo. Conto de Carlos Emilio chamado O Labirinto com ilustração de Pedro Eymar. Conto do Jackson Sampaio chamado Edifício Vesúvio com mais uma ilustração de Humberto, que também ilustra o último conto, Juízo Final, de Nilto Maciel. No caderno Poesia os poemas não eram titulados. Eram pequenas antologias. No caso do Mapurunga Filho todos os poemas versavam sobre a Serra de Ibiapaba, região de Viçosa, onde ele nasceu. O caderno Imagem página inteira dedicada a um desenho de Frederico, filho de Manoel Coelho Raposo. Havia também página inteira com desenho de Bartô e outra com desenho de Pedro Eymar. Todo o caderno Imagem era preenchido também por desenhos e cartoons elaborados por Mino, tudo sem cor. O Caderno Anexo, espaço reservado ao jornalismo cultural, entrevista com o poeta e escritor baiano Capinan feita por Jackson Sampaio. Artigo de Edmundo de Castro titulado Uma Pedra no Sapato, e artigo coletivo sobre o movimento da Padaria Espiritual.
As reuniões que decidiram o que iria fazer parte do primeiro número aconteceram na casa dos pais de Carlos Emilio no bairro Benfica e no escritório da livraria Feira do Livro. Depois passaram a ter um escritório próprio numa sala do sétimo andar de um prédio no centro da cidade.
Os mil exemplares enviados para fora do Ceará, graças ao esforço e boas relações de Nilto, causaram enorme repercussão na imprensa. Logo matérias nos principais jornais e revistas do País e do exterior, da grande imprensa e também alternativas davam conta d´O Saco. Entre os vários é possível citar: Veja, Homem, Folha de S. Paulo, Última Hora, Movimento, Versus, Estado de São Paulo e Escrita (SP); O Globo, O Pasquim, Opinião e Ficção (RJ), Inéditos (MG); O Estado de Minas, Jornal da Semana (PE); Boca do Inferno, Tribuna da Bahia, Tarde e Diário de Notícias (BA), O Acadêmico (SC), Leitura (PR), Informação e Peleia (RS), Folha de Goiaz e O Popular (GO), Correio do Estado (MT), A República (RN), Chapado do Corisco (PI), A Ilha (MA), Correio das Artes (PB), O Estado do Pará (PA), Novedades (México), El Cuento (México), Tejidos (EUA), Poema Convidado (EUA), Diário de Lisboa e Colóquio/Letras (Portugal), Expresso Imaginário (Argentina) e Paris Match (França).
A partir desse momento a Superbancas ficou responsável por levar a revista a todos os estados brasileiros. De acordo com Jackson Sampaio toda essa recepção não chamou apenas a atenção de jornalistas e intelectuais mas também do governo militar. O seu artigo Apartamento 132 Edifício Vesúvio em que narrava a história de dois homens que decidiam morrer assistindo Sílvio Santos e o artigo de Edmundo de Castro Uma Pedra no Sapato em que critica duramente a imprensa local ecoaram em Brasília, e a partir dali, a revista passaria por uma censura prévia. Esse foi o motivo de saírem apenas sete números num espaço de um ano de existência da revista.
Tudo era editado em off set e o material seguia para a capital do país pelos correios, demorando cerca até um mês para voltar as mãos dos editores. Chegaram a perder 50% do que foi enviado para a censura. Todo esse processo era demorado fazendo com que perdessem a periodicidade. A revista tinha sido pensada inicialmente para ser publicada mensalmente.
Além da periodicidade, perderam também assinantes e anunciantes. Havia também um acordo de divulgação com as revistas Panorama, de Minas Gerais, Escrita de São Paulo, Ficção, do Rio de Janeiro e Livro7 de Pernambuco, que também começou a ser ameaçado. Como não contavam com liquidez de capital de giro ou com volume de investimento para queimar, as coisas pioravam a cada número. Apesar de tiragens cada vez maiores mal conseguiam pagar as dívidas.
Durante o ano de 1977, tiveram como ponto de apoio o grupo Livrarias Feira do Livro e contavam com a ajuda de pequenos comerciantes ligados ao ramo. Ainda assim não conseguiram cobrir as despesas. Manoel Coelho Raposo começou a investir do próprio bolso.
As vésperas de viajarem para o lançamento da revista em São Paulo foram surpreendidos por uma carta da Superbancas comunicando que não iria mais distribuir a revista. Segundo Manoel Coelho Raposo a distribuidora através de seu gerente Luís Antonio se desculpou dizendo que tinha sido criada para distribuir o Jornal do Brasil seu principal acionista, e que investir em outros veículos prejudicava a distribuição de seu jornal. Através de trocas de correspondência conseguiram ainda que distribuísse o número sete que já estava impresso.
Raposo começou a procurar outras distribuidoras mas todas se negaram a distribuir O Saco. A editora Abril foi a única a abrir negociação. Lá tomaram conhecimento de uma pesquisa mercadológica feita pela editora que apontava a revista cearense como uma revista de grande circulação no meio universitário, com potencial para transformar-se num órgão de imprensa bastante estável no mercado. Para distribuí-la a editora exigia apenas duas coisas: começar a partir de julho, e que a tiragem fosse de 60 mil exemplares.
Ao voltar a Fortaleza, Raposo convocou em abril de 1977, no Náutico Clube, uma reunião com intelectuais, Academia Cearense de Letras, universidades, imprensa, comerciantes, industriais, agências de publicidade, governo e estudantes para pedir apoio. Para aquele encontro foi preparado um livreto que contava a história da revista sob o título “Vamos Deixar “O Saco” Morrer?” que seria distribuído a todos os que lá estivessem presentes. Poucos foram. Como não tinham como bancar uma tiragem tão alta, decidiram não mais publicar a revista.
A pouca experiência contou para o encerramento das atividades. Raposo era o único que sabia lidar com uma empresa, era proprietário de um grupo livreiro encorpado que funcionava em Fortaleza; mas os outros três eram jovens recém formados. Carlos Emilio ainda morava com os pais. Edmundo de Castro, Estrigas e Humberto Gomes Magalhães ajudaram, mas apenas no campo criativo.
Os editores d´O Saco não foram derrotados com o fim da circulação da revista, pelo contrário, venceram, principalmente por publicarem nacionalmente numa época árida, hostil, em que lutar por convicção, qualquer que seja, poderia significar perder a vida como Wladmir Herzog.
Em maio de 1988, onze anos depois de circular o número sete, Manoel Coelho Raposo tentou reativar o projeto lançando o número 8/1, uma continuação e um começo numa só coisa. A revista havia mudado tinha acrescentado aos cadernos já existentes Prosa, Verso, Imagem e Anexo, um disco de vinil rebatizando O Saco como lítero-musical. Dos fundadores da revista apenas Nilto Maciel não participou da publicação que contou com Bernardo Neto na capa do disco/revista Sumaré. No período de seu lançamento Raposo foi internado com um enfisema pulmonar ficando afastado do projeto que não passou daquele número. A revista ficou presa ao passado.
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2 comentários:
Excelente trabalho Rodrigo. Pesquisa muito bem feita. Parabéns
É preciso levar esses fatos aos estudantes cearenses. Só assim teremos orgulhos e prazer de sermos o que somos, e melhorar. A história ensinada nas escolas não pertence ao povo, e sim a elite. Obrigado Rodrigo Vargas...
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