segunda-feira, 29 de junho de 2009

Notas sobre o instinto universal de Machado de Assis

Carlos Eduardo Louzada Madeira
carloselmadeira@gmail.com
Mestrando em literatura brasileira no programa de pós-graduação em letras da UERJ e especialista em literatura brasileira pela PUC Rio.

Em seu ensaio “O Instinto de Nacionalidade” (1873), Machado de Assis tece algumas valiosas considerações acerca do que se vinha produzindo e pensando no campo das letras nacionais. Chama atenção, desde logo, para uma preocupação que permeava as mentes e obras dos autores brasileiros de então: a afirmação de uma literatura independente, própria de uma nação que procurava se estabelecer culturalmente longe do peso de um passado colonial.

Sob influência de uma então recente (e, até certo ponto, aparente) independência política, os escritores brasileiros, a partir do movimento romântico, se lançam em busca de elementos que corroborem esse ideal de autonomia cultural. Pautam-se, muitas vezes, pela temática indígena, que lhes parece a mais apropriada para expressar a especificidade da terra e o espírito nacional.

Machado, com seu habitual rigor crítico, vai pouco a pouco colocando em relevo o equívoco em que consiste interpretar o país quase que exclusivamente pelo diapasão do indianismo. Lembra o autor que não repousa no elemento indígena o patrimônio da literatura nacional, realçando também o fato de que mesmo o indianismo não representa algo essencialmente nacional, mas universal.

Machado observa que há em autores como Gonçalves Dias muito da natureza humana, com suas “aspirações, entusiasmo, fraquezas e dores”, vista aí por um viés globalizante, não limitada ou empobrecida por uma orientação absolutista. Ciente de que todo esforço homogeneizador cumpre função opressora, não permitindo o eco de outras vozes, procura, de certa forma, responder aos seus críticos, que o acusam de não explorar a natureza enfeitiçante dos trópicos, elemento considerado tão característico da alma brasileira. Acusam-no de ser um autor pouco afeito às preocupações nacionalistas que dominavam a cena.

Com estilo sutil e expressão larga, Machado recusa o uso instrumental da literatura, construindo uma obra ficcional intrigante, não panfletária, que não ignora o nacional, mas que o aborda de modo diverso do habitual, elencando também aspectos da vida quotidiana e das relações humanas que muitas vezes passam despercebidos. Perscruta a complexidade social por meio de personagens que expõem psicologismo e constituição pouco apropriados a interpretações simplistas ou acanhadas.

Sabedor de que uma literatura nacional não se faz apenas de assuntos locais, Machado trabalha a intertextualidade com destreza, sendo por vezes chamado de escritor estrangeirado. Dialoga com Stendhal, Stern, Shakespeare e mesmo com a Bíblia, o que confere a seus textos um caráter eminentemente universal. Sustenta que “o que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda que trate de assuntos remotos no tempo e no espaço”.

Homem de sua época, sem dúvida o era, talvez até um pouco à frente dela, dada a acurácia da sua pena e a lucidez com que focaliza a realidade brasileira, tanto na esfera literária quanto na sociopolítica e econômica. Olha não apenas para o presente, mas também para o futuro.

É a escrita palimpséstica do autor que embala, como diz Alfredo Bosi, o seu “não ao convencional, um não que o tempo foi sombreando de reservas, de mas, de talvez, embora permanecesse até o fim como espinha dorsal de sua relação com a existência”. É uma escrita muitas vezes ambígua, que exige dos seus leitores uma postura mais ativa, atuante e sobretudo mais crítica em relação ao meio que os circunda.

Machado não se deixa envolver cegamente pelas tendências da época, como demonstra em O alienista, obra que ironiza e questiona o furor cientificista que tomara de assalto as artes na segunda metade do século XIX. Procura dialogar com os que o criticam, sugerindo ser justamente a ausência de uma crítica ampla e elevada um dos maiores males da literatura brasileira do seu tempo, crítica essa, aliás, que ajuda a desenvolver com critério e consistência, com instinto nacional e universal.

Referências Bibliográficas

ASSIS, Machado de. “Instinto de nacionalidade”. In: Obra completa. Volume III. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, pp. 801-809.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 38ª edição. São Paulo: Cultrix, 1994, p.176.

Nenhum comentário: