terça-feira, 24 de agosto de 2010

Borges: arquiteto de labirintos


Flávio Viegas Amoreira
flavioamoreira@uol.com.br
Poeta

“Cada um de nós se define para sempre, num único instante de sua vida - instante esse em que cada qual se encontra para sempre consigo mesmo.’’ Jorge Luis Borges (1899-1986)

O escritor cinzela magma difuso, mentalidade impensada disposta da Babel quântica: aponta, glosa, decodifica Substância amoldando-a em labirintos refletidos por espelhos. Escrever é depurar grãos de significação luzindo correlatos em estado de virtualidade: escandir dando ao Infinito atributos e modos. Borges foi Escritor Absoluto: avatar argentino representa hiper-arquétipo do demiurgo, escriba dum Evangelho laico reunindo semiose alquímica, xadrez cabalístico, paixão estoriada da Questão: vivemos ou sonhamos viver? Vida é original ou reflexo de universos paralelos, supercordas, dimensões formando estantes de morfemas dum Cosmo-Livro? Seu conto ’Aleph’ é catálise pelo saber Uno, diamante metafísico, estreitar concreto fluxo num ponto impreciso a partir da disparidade de correlatos. ‘Aleph’, primeira letra do alfabeto hebraico: “um dos pontos do espaço que contém todos os pontos, lugar onde estão, sem se confundirem, todos os lugares, vistos de todos os ângulos’’. Fractal enfeixando todas sensações, atos, rostos, ruas, gestos, emanações maxi-mini-conectadas. ‘Aleph’ da Rua Garay-Buenos Aires: “pequena esfera furta-cor, de brilho quase intolerável’’ contenendo “inconcebível universo’’: o ‘Aleph’ ocultado num porão platino proporciona mirada de todos atos cotidianos, epopéias, geografias, designs de raciocínios, vísceras de sentimentos, delírios, vertigens, todas páginas de todos mitos, cordilheiras, abismos, o ’Aleph’ não ‘é’: são! o tudo-acontecido, primo-átomo conjugado até expansão-sucção dum buraco-negro reatando infinitude de ciclos cosmogênicos. Espelho/mapa, coisas/números nos quais o todo não é maior qualquer das partes: simultaneidade, experiências-existências transinfinitas. Todas eras, auroras, suspiros: ’Aleph’, quintessencial representação: pluri-signo, chip-gramatical; ‘Aleph’, poli- encarnação do possível ou inimaginado: transluz ancestralidades, passamentos, devir. ’Aleph’ reduz num artefato o incriado e onisciência não testemunhal dum acidente subsistente ou inconcebido. No ’Aleph’, um beijo e chuva estelar equivalem: todo-tudo-ao-mesmo-tempo-vislumbrado. Texto sobre-todos-textos: cristal refratando Universo convexo. O desfecho que nos reserva é surpreendente: o ’Aleph’ real não era aquele inter-ficção: a chave de todas as coisas reveladas-desvelando estaria na borgiana cidade de Brás Cubas: "acredito que exista (ou que tenha existido) outro ‘ Aleph’. Por volta de 1867, o capitão Burton exerceu o cargo britânico no Brasil; em julho de 1942, Henriquez Urenã descobriu numa biblioteca de Santos um manuscrito que versava sobre o espelho(...) em seu cristal refletia-se o universo inteiro.’’ 1984: o jovem escritor vê sair Homero da Folha na Barão de Limeira; poderia ter abordado Borges? o velho com bengala de bambu parece soprar o ‘aleph’ ao golem: Verdade é encantar a virtude; a Literatura preexiste ao Verbo, busca tocá-la num contínuum ‘satori’. Antes do Verbo eram Verbos: retenho cego brilho flanando da Calle Maipú ao centro de São Paulo. O ‘Aleph’? uma nesga de onda indo-vindo no porto, repousando rochas num filete de praia: vórtice de águas triangulares. Ler Borges é epifania ‘sensoalíssima’. Charada-chave: só enigmas oferecem respostas. Luxo: não saciar-se de perguntas. Aqui mora um criptograma

Nenhum comentário: