Jerônimo Teixeira
jeronimoteixeira@abril.com.br
Jornalista
Em obra dos anos 50 só agora lançada no Brasil, o filósofo alemão Theodor Adorno traça paralelos entre astronomia e fascismo. É um exemplo típico de seu pensamento muitas vezes brilhante – mas propenso a uma enorme rabugice
Que a astrologia é uma rematada bobagem é fato bem estabelecido. Não há fundamento para a crença pseudocientífica de que a mecânica celeste influencia a vida amorosa ou profissional do leitor de horóscopos. Para o filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969), contudo, o problema é mais sério: a astrologia seria uma forma de dominação social, aparentada ao totalitarismo de Hitler e Stalin. Adorno descobre um chamado ao conformismo nas colunas astrológicas – e, com recurso à psicanálise, tenta demonstrar que a atribuição do destino às estrelas guarda "disposições paranóicas" similares àquelas mobilizadas pelo nazismo. Esse desconcertante paralelo está desenvolvido em As Estrelas Descem à Terra , livro dos anos 50, parte de uma coleção da editora da Unesp que vai lançar obras do filósofo ainda não conhecidas no Brasil (na mesma série, já saiu uma Introdução à Sociologia). Não é o título mais representativo de Adorno, mas, pelo texto um pouco mais pedestre (nem por isso é leitura leve), pode ser uma porta de entrada para quem queira ter uma idéia do que seja a obra de um dos mais influentes (e mais rabugentos) filósofos do século XX. Sua análise da coluna astrológica do jornal Los Angeles Times é muitas vezes brilhante – mas há algo de abusivo no modo como ele recorre aos conceitos de Freud para indicar similaridades entre o mapa astral e a suástica.
Adorno foi o expoente da chamada Escola de Frankfurt, que também congregou pensadores como Herbert Marcuse e Max Horkheimer. Foram os proponentes da chamada "teoria crítica", que tentou entender o capitalismo e os totalitarismos como manifestações da mesma lógica histórica. Nas mãos de Adorno, a teoria crítica voltava-se contra a "razão burguesa", que em sua origem, no iluminismo, teria o potencial de libertar o homem de seus medos primitivos, mas acabou degenerando em técnicas de dominação social, que vão desde a organização burocrática até o cinema, a televisão – e o horóscopo. Adorno também cultivava sua macumba profana: o marxismo. Mas não foi dos mais ortodoxos. Em sua obra – hoje ainda influente entre filósofos e críticos literários de esquerda –, são escassas as referências ao proletariado. Esteta que admirava o modernismo de Beckett, Kafka e Proust, ele dificilmente teria o que conversar com um operário.
Além de excelente crítico literário, Adorno entendia muito de música – foi aluno do compositor Alban Berg e serviu como consultor musical para Thomas Mann quando este escreveu Doutor Fausto. Em Marx (e Hegel), Adorno buscou sobretudo um certo modo de argumentar – a famigerada dialética. Com um estilo tortuoso mas elegante, os ensaios de Adorno não se importam de deixar contradições em aberto, para desespero do leitor cartesiano. Um bom exemplo é a afirmação pela qual ele é mais lembrado: a poesia não é possível depois de Auschwitz. A frase original, na verdade, é mais complicada: "Escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se tornou impossível escrever poemas". Não se depreende daí que Adorno estivesse propondo que os poetas se calassem. Eis a tal contradição dialética: a impossibilidade da poesia é o que a tornaria cada vez mais necessária.
Auschwitz é o emblema perfeito para o pensamento de Adorno, que lidou com o trauma profundo da experiência totalitária. De ascendência judaica, ele passou os anos do nazismo no exílio, primeiro na Inglaterra e depois nos Estados Unidos. Catastrofista, identificava na democracia americana sintomas do totalitarismo que o expulsara da Europa. Nos Estados Unidos, escreveu, em parceria com Horkheimer, uma de suas obras mais influentes,Dialética do Esclarecimento – crítica de longo curso aos rumos da civilização capitalista. É nesse livro que aparece pela primeira vez o conceito de "indústria cultural", tão levianamente citado hoje. Adorno não gostava de cinema. E ficou conhecido por sua oposição ranzinza ao jazz. Por causa dela, foi acusado de racista – e respondeu com ironia típica: "Não tenho nenhum preconceito contra os negros, a não ser que nada, exceto a cor, os distingue dos brancos".
No fim da vida, Adorno viu-se sob o fogo pesado do movimento estudantil. Acossado por barulhentos protestos, teve de interromper um curso que dava em Frankfurt. Sempre reticente com os movimentos de massa, Adorno reclamava, em uma entrevista de 1969, do patrulhamento que sofrera então. "Jamais ofereci em meus escritos um modelo para quaisquer ações. Sou um homem teórico", disse. Uma lição que os acadêmicos de passeata do Brasil de hoje, prontos a largar os livros para invadir reitorias, poderiam aprender.
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