Bráulio Tavares
btavares13@terra.com.br
Escritor, roteirista e compositor
A comemoração dos 80 anos da morte de Vladimir Maiakóvski tem trazido aos suplementos culturais em geral novas traduções e adaptações dos seus poemas. Suas peças de teatro também têm sido lembradas, tendo novas montagens no palco ou merecendo estudos críticos. Um aspecto pouco conhecido da obra do grande poeta é a sua ligação com a ficção científica. Os poetas futuristas russos flertaram com o Futuro, literalmente, em numerosas obras. Maiakóvski foi exposto à FC como qualquer garoto de sua época. Em seu texto autobiográfico “Eu Mesmo”, ele diz, falando de sua época de curso ginasial: “Leio Julio Verne. O fantástico em geral”.
Fantástico que teria influência em duas de suas peças principais. A primeira, “O Percevejo” (“Klop”), de 1929 (há uma tradução brasileira recente da Editora 34, São Paulo). Nela, a primeira parte descreve o casamento do burocrata Prysipkin e a destruição de sua casa por um incêndio. A segunda parte se passa no futuro, em 1979, quando escavações no local onde ficava a casa descobrem Prysipkin ainda vivo, congelado num bloco de gelo. A partir daí, seguem-se as costumeiras situações satíricas em que um personagem, como o “Dorminhoco” de Woody Allen, acorda num mundo futuro e dá origem a uma infinidade de mal-entendidos. No final, Prysipkin acaba sendo confundido com um inseto, o percevejo do título, e trancafiado num jardim zoológico.
A segunda peça futurista foi “O Banheiro” (“Banya”) de 1930, em que um cientista inventa uma máquina do tempo e precisa de financiamento do Estado soviético para finalizá-la, ao mesmo tempo em que é perseguido por uma espécie de espião industrial britânico que pretende roubar a idéia para a viagem no tempo. Quando a máquina é posta em funcionamento, traz para o presente uma “mulher fosforescente” vinda do futuro. Ela anuncia que o socialismo é triunfante e que levará para o futuro todos os que comungam do seu verdadeiro espírito; e quando a máquina parte, deixa para trás, no presente, todos os burocratas que tinham passado o tempo inteiro dificultando as coisas para o cientista.
Na Revolução Soviética, o futuro era real para esses artistas que viviam a construção de uma projeto de Utopia (que havia na cabeça deles), de construção da sociedade ideal, e ao mesmo tempo a tragédia de ver essa Utopia desfigurada pela violência, pela burocracia e pela visão tacanha dos políticos. “O Percevejo” salta de um 1929 corroído pela ganância dos burocratas ignorantes para um 1979 insuportavelmente asséptico, que para os críticos lembra “Nós”, o clássico da FC escrito em 1920 por Yevgêni Zamiátin. O livro de Zamiátin circulou clandestinamente até sua tradução em 1924 (a primeira edição oficial em russo só ocorreu em 1952). Sua descrição de um Estado totalitário e cerebralista influenciou o “1984” de George Orwell, e também o teatro de Maiakóvski, cujo entusiasmo pela Revolução não o impediu de perceber desde cedo o abismo stalinista para onde ela marchava.
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