Jorge Coli
jorgecoli@uol.com.br
Crítico de arte e professor titular em História da Arte e da Cultura, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp
Proust tem como essência a semelhança e a aparência. Por elas vê as artes, procurando captar o que há de comum entre as formas. Mas que lugar é esse que a preposição "entre" indica? Não há apenas dois lugares, o de uma imagem e de outra imagem, o de uma aparência e de outra aparência. Há um terceiro lugar, uma terceira margem do rio, onde o semelhante se funde no semelhante, onde a analogia se metamorfoseia em fusão.
Proust frequentou o Louvre na juventude e fez viagens a Veneza, Pádua, Holanda e Bélgica. Essas atividades são testemunhos de um contato intenso com as obras reais que descobria, mas não significam uma presença reiterada diante das mesmas obras. Sua familiaridade com a arte vinha de um outro modo: por meio de reproduções, sobretudo fotográficas.
Charles Swann, o personagem principal da saga, prepara-se para contemplar uma escultura e uma igreja medieval na cidade imaginária de Balbec, que aparece no terceiro volume de Em Busca do Tempo perdido, O Caminho de Guermantes. Preparou-se antes, por meio de reproduções dessas obras. Quando está prestes a se deparar com o original, fica em estado de efervescência, mas logo desencanta. Diz ele: "O que vi, até agora, eram fotografias dessa igreja e, desses Apóstolos, dessa Virgem do pórtico, tão célebres, apenas as moldagens. Agora, é a própria igreja, é a própria estátua, elas, as únicas: é muito mais. Era menos, também, talvez". A estátua real é menos verdadeira que a estátua construída pelo espírito. Inserida na banalidade do cotidiano, é a escultura autêntica, a obra de arte única, que perde a sua aura.
Isto pressupõe uma idéia complexa: a obra de arte não se reduz à sua existência material. Essa materialidade tornou-se uma espécie de lastro que pode ser substituído, muitas vezes, pelas representações materiais — a fotografia, a moldagem — e pelas representações do espírito, pela memória. O espectador termina por intuir as intuições, que brotam na matéria, mas existem fora dela.
A fotografia incorpora a semelhança da obra; não é a obra, mas faz parte dela. Proust nos leva para um caminho reflexivo diverso do que o filósofo alemão Walter Benjamin toma em seu conhecido texto A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica. O conflito entre valor de culto e valor de exposição, que interessa Benjamin, é dissolvido por Proust numa síntese que, primeiro, não se importa com a ideia de exposição enquanto "exposição às massas" e que, em seguida, trata o objeto artístico em sua substância de cultura, que encarna uma espécie de "essência real".
No caso de Proust, não existe aura perdida pela reprodução técnica da fotografia, nem culto do original, nem cuidado com o que seria uma divulgação em ampla escala da imagem. Não existe condenação alguma das reproduções mecânicas, mas a constituição de uma verdade surgida da obra, capaz de fecundar as experiências (incluindo aqui a experiência fotográfica), que terminam por conduzir à verdade da obra.
Em tal campo de fusões, uma prática frequente que se encontra na obra de Proust é a relação de semelhança entre os seres existentes e as obras de arte. De todas, a mais conhecida é a da semelhança que Swann estabelece entre Odette de Crécy e uma figura de Botticelli, Séfora, no afresco da Capela Sistina. Proust, ele próprio, conhecia essa imagem não por tê-la visto de fato, pois nunca estivera em Roma, mas por uma reprodução de uma cópia.
Swann gostava de descobrir semelhanças entre pessoas e personagens pintados pelos grandes artistas. Notável é a passagem em que ele encontra, na Paris do início do século 20, figuras representadas pelo italiano Benozzo Gozzoli (1421-1497), em sua Adoração dos Magos. O narrador supõe três hipóteses para essa prática. A primeira é que Swann teria remorsos por limitar sua vida a mundanidades e sentia-se perdoado pelos grandes artistas por eles terem incorporado em suas obras esses rostos que traziam com eles um sabor moderno e fútil. Além disso, o protagonista, tomado pela frivolidade das altas rodas, poderia gostar de encontrar numa obra antiga alusões antecipadas a indivíduos contemporâneos, como se fossem antecedentes aristocráticos. Por fim, Swann percebia, nas características individuais, uma significação mais geral: elas criavam um descompasso entre a representação e o representado. Essas figuras, segundo o livro, surgiam "desenraizadas, libertadas na semelhança de um retrato mais antigo com um original que não o representava".
Odette e a figura de Botticelli se sobrepõem. Proust escreve: "Essa semelhança conferia a ela uma beleza, tornava-a mais preciosa. Swann se acusou de ter desconhecido o valor de um ser que teria parecido adorável ao grande Sandro, e felicitou-se pelo fato de que o prazer que ele tinha ao ver Odette encontrasse uma justificação na sua própria cultura estética. (...) A palavra de 'obra florentina' trouxe um serviço a Swann. Permitiu-lhe, como um título, fazer adentrar a imagem de Odette num mundo de sonhos onde, até então, ela não tinha acesso, e onde ela se impregnou de nobreza".
Swann põe, sobre sua mesa de trabalho, uma reprodução da filha de Jetro como se fosse uma fotografia de Odette. No romance, ela é uma espécie de prostituta de luxo que, se descobre à leitura da obra, esteve na cama de um grande número de personagens. Essa semelhança previne também, como diz o narrador, os desgastes possíveis dos afetos. Odette incorporara-se à eternidade de uma obra de arte.
Essa eternidade não some, mesmo quando a obra foi destruída. Há um caso em que a história se torna proustiana. O autor descreveu com veneração os afrescos de Andrea Mantegna (1431-1506) em Pádua. Eles ruiram em bombardeio da Segunda Guerra Mundial. Não desapareceram: restam-nos cópias, fotos, obras por eles influenciadas, descrições, como as do próprio Proust. No universo proustiano há um contaminar-se contínuo dentro do qual assemelhar é conhecer e reconhecer. São processos que escapam da solidez "real" do mundo para alcançar uma intensidade etérea.
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