Pedro Maciel
pedro_maciel@uol.com.br
Escritor
O escritor francês é um pensador da poesia como meio de desvendar
o desconhecido
Paul Valéry (1871-1945) é considerado, segundo a classificação de Ezra Pound (inventores, mestres, diluidores, etc) como um mestre da linguagem que Mallarmé inventou. Edgar Poe e T. S. Eliot são os outros que norteiam o ideal estético de Valéry. Mas a “lógica imaginativa” de Leonardo da Vinci foi o que impregnou sua consciência crítica. O renascentista da Vinci serviu-lhe como modelo.
Segundo Valéry, Leonardo, “mestre de seus meios, este possuidor do desenho, das imagens, do cálculo, tinha encontrado a atitude central a partir da qual as empresas do conhecimento e as operações da arte são igualmente possíveis, as trocas felizes entre a análise e os atos singularmente prováveis: pensamento maravilhosamente excitante”. Valéry anotou no prefácio a ‘Leonardo Poe Mallarmé’: “pela abstração constrói o homem". Os três são descritos como mestres na arte da abstração. Valéry também manifestou fascínio pelos clássicos como Virgílio, românticos como Goethe, simbolistas como Verlaine, modernos como Marcel Proust.
Valéry era um construtor, um poeta-crítico, um pensador da poesia como meio de desvendar o mundo desconhecido. O que é o conhecer? Perguntava o poeta do rigor intelectual e da sensualidade. Estudioso das ciências exatas, projetou idéias artísticas associadas à linguagem da matemática e da física. Os críticos o classificam como um poeta-filósofo. Talvez porque suas reflexões fragmentárias se aproximam dos pré-socráticos como Zenão de Eléia, que inspirou os versos de “O Cemitério Marinho”, ou Heráclito, cuja linguagem se aproxima dos poetas.
"Eupalinos ou O Arquiteto" _ Escritos de circunstância, de 1921, (Ed. 34), não é exatamente um livro de arquitetura. Valéry reflete sobre o processo de criação arquitetônica. Cria um clássico universal a partir de um diálogo imaginário entre Sócrates e Fedro. “Dialogue des morts”, era como seria chamado o texto em sua primeira edição. Fedro e Sócrates habitam as vezes do inferno. Pairam sobre eles a idéia da reflexão dos mortos. Uma idéia assombrada. Conversam sobre as limitações e emoções de uma vida que poderia ter sido. Fedro, o discípulo irônico, faz saudações ao mestre. Sócrates, às vezes não responde: “Espera. Não posso responder. Bem sabes que nos mortos a reflexão é indivisível. Estamos agora muito simplificados para que uma idéia não nos absorva até o final de seu curso”.
Sócrates e Fedro apresentam-se com almas desnudas, sem sombras de nuvens, discutem as banalidades dos vivos e as estranhices dos mortos. Fedro questiona sobre a idéia do eterno entre os viventes: “Os mais grosseiros tentam preservar até os cadáveres dos mortos. Outros constróem templos e tumbas, esforçando por torná-los indestrutíveis”. Sócrates responde, contestando-o: “Loucura! Ó Fedro; claramente o percebes. Mas os destinos decidiram que entre as coisas indispensáveis à raça humana figurassem alguns desejos insensatos. Não haveria homens sem o amor. Nem a ciência, sem absurdas ambições...”
Fedro expõe as idéias de seu amigo Eupalinos, lembranças das construções de Pireu. Eupalinos dizia que “não há detalhes na execução”. Talvez o arquiteto Mies Van Der Rohe tenha se inspirado nesta frase ao afirmar que “Deus está nos detalhes”, ou ainda na frase de Voltaire que dizia que “ a poesia é feita apenas de belos detalhes”. Apesar de que Deus não existe para Paul Valéry. Os diálogos são, na verdade, pensamentos do poeta francês e não dos filósofos gregos ou do arquiteto Eupalinos, que mais tarde descobriu-se ser um empreiteiro de obras do aqueduto de Atenas.
Valéry descreve a arquitetura e a música como artes possíveis de produzirem espaços, corpos que não estão limitados ao ângulo da visão. A música constrói no nosso corpo um espírito de liberdade. Às vezes ascendemos além do nosso próprio corpo. Esquecemos até mesmo das sensações do nosso ouvido. Já o arquiteto cria um corpo no qual habitamos, vivemos por dentro dos labirintos projetados por outro alguém ávido de tempo. O arquiteto substitui a realidade pela fábula. “Logo é razoável pensar que as criações do homem se realizam, ou bem em função de seu corpo, e aí está o princípio que chamamos utilidade, ou tendo em vista sua alma, e aí está o que ele persegue sob o nome de beleza...” Afinal, diz Sócrates, os deuses não devem permanecer sem teto, e as almas, sem espetáculos.
Em “Histórias D’Anphion”, o poeta confessa a influência que a arquitetura causou no início de sua formação. O ato de construir significa para Valéry o propósito mais nobre do homem. “Um edifício terminado nos expõe, num único olhar, uma soma das intenções, das invenções, dos conhecimentos e das forças que sua existência implica; ele manifesta à luz a obra combinada do querer, do saber e do poder do homem”. Sócrates gostaria de ter sido um arquiteto, um construtor que, “primeiro, desdobraria todas as questões, desenvolveria um método sem lacuna. _ Onde? _ Por quê? _ Para quem? _ Para quê? _ Quais as dimensões? _ E, assaltando de todo lado meu espírito, eu determinaria, no mais alto nível, a operação de transformar pedreiras e florestas em edifícios, em equilíbrios magníficos...”
É possível imaginar os templos ou teatros criados no estilo socrático. Sócrates e seu discípulo Fedro conversam à beira de um tempo que não mais existe, à margem das sombras altas de um céu azul de fantasmas; e tudo que eles disseram é apenas um jogo natural do silêncio de um outro mundo. “Nisto, consiste, rigorosamente, a imortalidade”.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário