Clauder Arcanjo
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Engenheiro, escritor, poeta e cronista
Resolvi reler o ABC da Literatura, de Ezra Pound. Vi-me com uma vontade enorme de revisitar os ensinamentos do autor de Os cantos. Meu exemplar é da Cultrix, com tradução de Augusto de Campos e José Paulo Paes. Publicado pela primeira vez em 1934, o ABC of Reading (na versão brasileira, ABC da Literatura) é considerado o manual por excelência da didática poundiana. Tido por Marshall McLuhan como “ao mesmo tempo a mais curta e a mais densa avaliação da poesia inglesa”.
Na abertura, uma advertência de Ezra Pound: “Este livro não se destina aos que chegaram ao pleno conhecimento do assunto sem conhecer os fatos.” O velho Pound, sempre polêmico, todavia perspicaz e arguto como poucos. Da parte inicial, “Como estudar poesia”, colhi alguns achados que faço questão de ressaltar. Vejamos. “O autor espera seguir a tradição de Gaston Paris e S. Reinach, isto é, elaborar um manual que também possa ser lido ‘tanto com prazer como com proveito’ pelos que não estão mais na escola; pelos que nunca freqüentaram uma escola; ou pelos que, em seus dias de colégio, sofreram aquelas coisas que a maior parte da minha própria geração sofreu.”
“Uma palavra especial para os professores e lentes se encontra no final do volume. Não estou semeando espinhos frivolamente em seu caminho. Eu gostaria até de fazer com que os seus encargos e a sua vida se tornassem mais alegres e de preservar até a eles próprios de inútil caceteação numa sala de aulas.” — adverte Ezra.
Pound tem a preocupação de “separar drasticamente o melhor, de uma grande massa de obras, que têm sido consideradas válidas há muito tempo, que têm oprimido todo o ensino e que são responsáveis pela idéia corrente, extremamente perniciosa, de que um bom livro deve ser necessariamente um livro chato”. Logo depois ele vocifera: “Precisa-se de uma boa poda, se é que o Jardim das Musas pretende continuar a ser um jardim.”
Um livro é clássico, segundo Pound, “devido a uma certa juventude eterna e irreprimível”. Defende o método comparativo para separar o joio do trigo na poesia, método esse tão afeito aos biologistas, contudo é sabedor, por sua vez, que “um manual não é lugar para nada que possa ser bem ou mal interpretado como uma queixa pessoal”. Cada obra, por si, apresenta e dá crédito a um autor, é um dos credos de Ezra. “A referência de um escritor é o seu ‘nome’. Depois de um certo tempo ele passa a ter crédito”. Este pode ser sólido ou não, dependendo da qualidade do que produz. Trata-se de um livro recheado de bons preceitos. Simples, diretos, elucidativos. “Literatura é linguagem carregada de significado. Grande literatura é simplesmente linguagem carregada de significado até o máximo grau possível.” Logo depois, declara: “Literatura é novidade que permanece novidade.”
Pound volta-se basicamente para a poesia inglesa, teme sobremaneira os maus vates, e anuncia sua presença universal: “A poesia medíocre, no fim das contas, é sempre a mesma em toda parte.” “A má poesia é a mesma em todas as línguas”; bem sabemos.
Ezra Pound defende a importância da literatura para uma coletividade. “A linguagem é o principal meio de comunicação humana. Se o sistema nervoso de um animal não transmite sensações e estímulos, o animal se atrofia.” Em um de seus credos, ele sentencia: “Um povo que cresce habituado à má literatura é um povo que está em vias de perder o pulso de seu país e o de si próprio.” E advoga que “os bons escritores são aqueles que mantêm a linguagem eficiente. Quer dizer, que mantêm a sua precisão, a sua clareza. Não importa se o bom escritor quer ser útil ou se o mau escritor quer fazer mal”. E arremata: “Se a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e decai.” Ao tempo em que conclama “o homem lúcido” a não “permanecer quieto e resignado enquanto o seu país deixa que a literatura decaia e que os bons escritores sejam desprezados, da mesma forma que um bom médico não poderia assistir, quieta e resignadamente, a que uma criança ignorante contraísse tuberculose pensando que estivesse chupando bala”.
Há também ensinamentos para os que laboram na crítica. Dentre muitos, alguns causaram-me espécie. Em especial: “O crítico que não tira suas próprias conclusões, a propósito das medições que ele mesmo fez, não é digno de confiança. Ele não é um medidor mas um repetidor das conclusões de outros homens.” “O mau crítico se identifica facilmente quando começa por discutir o poeta e não o poema.” “O crítico honesto deve contentar-se em encontrar uma parcela muito pequena da produção contemporânea digna de atenção séria; mas deve também estar pronto para reconhecer essa parcela, e para rebaixar de posto uma obra do passado quando uma nova obra a supera.” “A preguiça está na origem de muitos erros de opinião.” “O ignorante de uma geração se põe a baixar leis e os meninos crédulos da geração seguinte tratam de obedecê-lo.”
Ao passo em que os classifica, Pound tem uma certeza: “Há uma qualidade que une todos os grandes escritores: escolas e colégios são dispensáveis para que eles permaneçam vivos para sempre.” Ezra enumera alguns autores tidos como fundamentais para quem quer conhecer a grande literatura. “Vocês devem ler tudo o que quiserem. Mas em vez de esperar que eu ou qualquer outro lhes diga o que há numa página, vocês devem aprender a ver por si próprios” — pondera. Dificilmente é peremptório, como quando se refere a Ésquilo, “penso que todo homem animado de uma razoável curiosidade literária há de ler o Agamenon de Ésquilo.” Mas, enquanto “material de leitura”, Pound não crê que “os dramaturgos gregos cheguem aos pés de Homero”. Quando o tema é versificação, defende: “O meio de aprender a música do verso é escutá-la.” Para logo depois proclamar: “A música apodrece quando se afasta muito da dança. A poesia se atrofia quando se afasta muito da música.” Ou seja, o leitor deve buscar a “límpida musicalidade”, e tão-somente poderá encontrá-la “com ouvidos e olhos atentos”. Se não descobri-la sozinho, “explicação alguma o fará compreender”.
Pespontando o pequeno tomo, brilhantes ensinamentos, infelizmente ainda desprezados por muitos homens de letras. “A incompetência se manifesta no uso de palavras demasiadas.” “O homem que realmente sabe pode dizer tudo o que é transmissível nalgumas poucas palavras.” “O problema de usar a maneira ou ‘estilo’ de outro homem é muito simples. O bom estilo coincide com o pensamento do escritor; tem a forma do pensamento, a forma do modo por que o homem sente seu pensamento.” “Quem perde suas palavras perde seu tom.”
Ezra Pound, no ABC da Literatura, universalizou um dos seus credos mais conhecidos: “Os artistas são as antenas da raça.” Pois os “artistas e os poetas indubitavelmente ficam excitados e ‘superexcitados’ pelas coisas muito antes do público em geral”. Enfim, leitor lúcido, “olha dentro do teu coração e escreve”, e lê, pois graças a Pound, ficamos mais conscientes de que não há nação soberana com literatura medíocre.
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Um comentário:
Muito interessante e clara tua visão sobre a obra de Ezra Pound. Sou estudante de Letras e estava procurando algo na web sobre a obra.Bom trabalho.
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