Carlos Henrique Carvalho Silva
carlosmachiavelli@yahoo.com.br
Mestre em Filosofia Contemporânea e Coordenador do Grupo de Estudos Sartre - UECE
“O homem é a medida de todas as coisas, das que são e das que não são.”
(Protágoras)
O pensamento de Jean-Paul Sartre confunde-se com a história da França e do mundo no século XX. É difícil conceber na estrutura do pensamento contemporâneo, uma personalidade com tamanha profundidade e versatilidade no que tange ao conhecimento humano. De fato, fala-se de Sartre como um sujeito impar, que foi capaz de deixar um grande legado para a epistemologia do ocidente ao expressar a condição humana de forma tão intensa e radical.
Nascido em 21 de junho de 1905, Sartre viveu os momentos mais marcantes do confuso século com a primeira metade sendo intercalada por duas grandes guerras mundiais, pela crise do capital na quebra da bolsa em 1929, e na segunda metade com a guerra da Argélia, o colonialismo russo, americano, inglês e francês, a péssima condição dos operários das fábricas, a revolução cubana, a guerra do Vietnã, o anti-semitismo, o racismo etc. Foi a partir de todos esses eventos que ele construiu uma vasta trajetória de homem que nunca negou a responsabilidade de ser sujeito da sua história, bem como de personalidade permanente no mundo do pós-guerra, visto que nunca relaxou em se engajar ativamente para fazer frente aos problemas do seu tempo.
Autor de frases notáveis como: “O homem está condenado a ser livre”, “O inferno são os outros”, “A existência precede a essência”, enfim, de obras por uma filosofia da ação, do engajamento, da ética enquanto prática e da liberdade. Sartre destacou-se no cenário francês do pós-guerra, a partir de 1945 até o fim da vida, em 1980, deixando sua marca na história da filosofia pela expressividade do pensamento e por uma proposta de uma ética enquanto fundamentadora do nosso caráter de ser livre.
Sartre é um homem múltiplo. Para se ter uma noção: é o pensador que se expressa em suas análises, sobre os mais complexos tipos de sistemas e idéias que perpassam a antropologia, a ética, a literatura, a política, o cinema, o teatro, o jornalismo e outros campos que, por ventura, não mencionaremos. Ao abranger todas as perspectivas possíveis na compreensão do que é o homem, ele se destaca no século XX como o arquétipo do sujeito engajado em todos os sentidos, sempre em busca de afirmar, na prática, a autonomia do homem frente ao Estado, à sociedade, à família e às instituições de caráter alienante. Suas incontáveis obras falam por si. Denominado pai de uma corrente filosófica: o existencialismo-ateu, que entre os anos de 1940 e final de 1960 se tornou moda no mundo, Sartre fez de um tempo marcado pelas agruras das guerras e dos conflitos, o portfólio fiel para a interpretação do homem do seu tempo ou ainda, do humanismo que latejou e ainda lateja no panorama histórico e filosófico do ocidente.
A questão do humanismo em Sartre não pode nunca ser confundida com o humanismo que fincou raiz na modernidade. Ao contrário, o humanismo que a modernidade cartesiana (Descartes) abraçou com todas as forças acreditava na realização de uma essência humana definida antes mesmo de nossa existência. Em outras palavras, o humanismo moderno, embora, aceitasse os pressupostos da razão, é profundamente imbuído de um teocentrismo, que colocava Deus acima de todas as coisas.
Já o humanismo de Sartre pode ser mais bem compreendido através de sua mais destacada conferência, intitulada O existencialismo é um humanismo. Sartre tenta repensar sua filosofia, procurando explicar por que considera a filosofia existencialista um humanismo. Afirma que o homem não nasce com essência alguma. Inicialmente apenas existe, aparece, está aí, jogado, e só depois será alguma coisa, dependendo do que faça de si mesmo. A existência do homem é uma condição para ele construir-se como homem. E isto não quer dizer apenas o desenvolvimento biológico ou psíquico. O homem deve construir-se a partir de seus planos, a partir da responsabilidade que tem por si e pelos demais. Esta responsabilidade faz o homem sentir-se em contato com o mundo que o cerca, e ser tocado pelos problemas da sociedade. Isto lhe gera angústia, que “não deve levar a um quietismo, e sim à ação”, buscando tornar-se útil à sociedade. “O homem está condenado à liberdade”. Tal é a máxima sartriana, inúmeras vezes citada, que se tornou um lugar comum ao se falar em liberdade. Por que condenado? Afirma Sartre, que a essência do homem é liberdade. Os homens fazem a partir da liberdade, o que bem entendem de si mesmos.
Com isso, evidencia-se que Sartre não foi simplesmente um filósofo e por ter desenvolvido múltiplas atividades na sua vida, acabou despertando o interesse para-além da Academia. De fato, não é um erro afirmar que a figura pública do intelectual engajado nasce e morre com Sartre. Como um existencialista, ele se esforçou por mostrar que a existência é sempre um estar em situação. Assim, é sobre o paradigma da existência que ele construiu toda a sua filosofia. A existência é uma condição fundamental para a construção do projeto humano. O homem é tido como o conjunto de suas ações e, nelas, ele afirma a sua condição de ser humano. A partir daí tudo se encontra aberto às possibilidades, nada que diga respeito ao humano é fechado, tudo é possível na ordem do acontecimento.
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