terça-feira, 16 de setembro de 2008

O negro no mercado de trabalho

Ivaldo Paixão
ivaldoama@bol.com.br
Coordenador Político do Movimento Negro Unificado

A constituição do mercado de trabalho no Brasil foi pensada de forma racializada. A população negra foi excluída por ser considerada racialmente inferior, portanto inviável para um país moderno. O mesmo negro que foi fundamental com a força de seu trabalho para o desenvolvimento econômico e construção da nação durante séculos de escravidão, passou a ser visto como um entrave para a nova ordem social advinda da abolição da escravatura.

Em 1872 o percentual de escravos no total da população brasileira era de apenas 15,2%. Este fato coloca um primeiro elemento importante, que é a convivência de dois tipos de trabalho: o trabalho escravo e o trabalho livre bem antes da abolição, sendo importante citar que os negros representavam 58%, os brancos 38,1% e outros 3,9% de brasileiros naquele período.

O discurso racista de inferioridade racial, associado aos males da escravidão(monocultura, latifúndio,etc...) e as teorias do racismo científico(uma raça superior a outra) apontavam para a inviabilidade de uma nação com população negra e mestiça, que estaria fadada ao fracasso. Daí a surgir a teoria do branqueamento foi um passo., pois os racistas achavam que o Brasil só teria progresso através do embranquecimento de sua população. Houve também uma preocupação de educar o negro moralmente para o trabalho livre com o objetivo de induzi-lo a considerar o branco como seu superior. Some-se a isso a ideologia da vadiagem que tinha como objetivo a vigilância, repressão e desqualificação dos afro-descendentes que transformava a ausência de emprego em uma opção do negro para não trabalhar considerando-o inapto ao trabalho em termos morais.

É bom relembrar que em função da teoria do branqueamento foi criada a figura do imigrante desejado, normalmente europeus brancos que tinham políticas de ações afirmativas como doação de terras e outros mecanismos de incentivo a imigração e por outro lado à imigração indesejada que dificultava e até chegava a proibir a entrada de africanos e afro-descendentes em alguns casos no Brasil, além da Lei da Terra de 1850,que proibia descendentes de quilombolas de assumirem a posse de áreas onde viviam e que só foi revogada pela atual constituição de 1988.

Ao fazer esta retrospectiva não fica difícil entender a atual situação dos afro-descendentes, vítimas de uma política deliberada de exclusão social principalmente em função do racismo ainda hoje lamentavelmente existente.

O Brasil é signatário da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho-OIT que trata da discriminação racial no mercado de trabalho, porém as centrais sindicais denunciaram nosso país a OIT em 1992, por não cumprimento de algumas cláusulas. A Constituição Federal no seu artigo 3° inciso IV, a lei 7716(Lei Caó) e a Lei 9029 proíbem e criminalizam a discriminação no acesso ao emprego.

Várias pesquisas de institutos e fundações sérias ( IDH, IPEA, DIEESE, IBGE/PNAD, SINE, FGV, etc...) revelam o negro em desvantagem salarial em relação ao branco, o que nos leva a afirmar que as desigualdades passam indubitavelmente pela questão racial, que inclusive é mais forte que a do gênero pois o homem e a mulher negra ganham menos que a mulher branca quando ocupam a mesma função. Dentro das quinhentas maiores empresas do país, negros somam 23,4% dos funcionários, 13.5% com cargos de chefia, 8.8% gerentes e 1,8% executivos conforme pesquisa Instituto Ethos/ Fundação Getúlio Vargas. Na percepção de 1% das empresas não há negros nem entre funcionários.

Pertencer a uma família menos numerosa, ter mais acesso a educação formal, maior permanência na escola, são alguns dos fatores que contribuem para a configuração das desigualdades. Mesmo com origens idênticas, negros e brancos tem desempenhos diferentes, pois a educação atua como importante variável, porém não explica as diferenças de distribuição de renda quando o nível educacional é o mesmo. O Brasil dos brancos com Índice de Desenvolvimento Humano- IDH ocupando o 46° lugar e dos negros a 107° posição é prova inconteste da desigualdade racial. Segundo o Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades- CERT, pelo menos 6 de cada 10 casos de discriminação racial registrados em delegacias de São Paulo são em relação ao processo de admissão/ demissão. O requisito da boa aparência é um dos mecanismos criados para impedir o acesso de afro-descendentes no mercado de trabalho.

Cabe ao Estado um papel ativo e propositivo na questão racial, não basta dizer que o racismo é crime, efetivamente há que se implementar políticas específicas de ações afirmativas que contemplem a diversidade racial, pois a sociedade é heterogênea e a mesma deveria refletir isso, nesse cenário, políticas públicas que diminuam as diferenças estruturais como a baixa escolaridade e, ao mesmo tempo, conscientizarem a população da existência da discriminação ganham importância , de forma a garantir que a inserção e as oportunidades no mercado de trabalho ocorram de forma igualitária e justa, e para atingir este objetivo é necessário privilegiar os que sempre foram desprivilegiados , como é o caso da mulher negra que hoje infelizmente compõe a base da pirâmide no processo de exclusão social pois sofre os preconceitos de gênero e raça.

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse post acima mostra uma análise completa e lúcida da condição do negro no nosso país. Não sei se posso somar alguma coisa ao blog, mais vou tentar sendo um pouco advogado do capeta. Apesar de achar que o Brasil tem uma grave dívida histórica com nossos negros, temo que uma política mais radical contra o racísmo, resulte como penso (de acordo com os filmes do diretor Spike Lee, temo não ter nenhuma fundamentação mais profunda) que ocorre no EUA, uma espécie de racísmo invertido ou até mesmo como também ocorre aqui, a ineficiência em sanar o racísmo cultural injetado na cabeça dos próprios negros. A mistura de raças de nosso povo, pode tornar oportuno ser negro ou braco para alguns mestíços quando em jogo previlégios sociais. Acredito que caminho certo, seria uma política de valorização da cultura negra somado à uma políca de combate a pobreza. Desta forma, os dois principais males que acometem os negros além do racísmo: a desvalorização da própria cultura, e a inferior condição econômica, teriam chance de ser resolvidos. Não acho que políticas de cotas faria bem a nossa sociedade, pelo contrário, talvez até criasse conflitos.