quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Comédia grotesca


Américo Souza
fortamerico@oi.com.br
Licenciado em História pela UFC
Mestre em História Social pela PUC-SP
Doutor em História Contemporânea pela UFF

Quando o Kosovo declarou unilateralmente a sua independência, o Ocidente democrático estalou de gozo e aplaudiu o gesto. A Guerra Fria terminou em 1991, mas a mentalidade que definiu o período continua a correr nas veias dos nossos democratas, para quem, ainda hoje, vale o princípio de que, tudo o que é ruim para a Rússia é, necessariamente, bom para o Ocidente. Lembro que, à época, Angela Merkel, uma das raras lideranças políticas do mundo que não vive no reino da fantasia, mostrou preocupação com o episódio kosovar. Mas, perante os festejos de Washington e Londres, a maioria se curvou e reverenciou.

Infelizmente para os “democratas”, a Russia possui uma espinha menos flexível que aquelas de suas graciosas ginastas olímpicas. Aceitar a independência do Kosovo significava, para começar, que Moscou estaria disposta a abandonar um aliado tradicional como a Sérvia. Mas significava, sobretudo e, acima de tudo, que a Rússia aceitaria de bom grado o estatuto de inferioridade que o Ocidente tem lhe reservado nos mais recentes confrontos diplomáticos e geoestratégicos.

Seis meses depois, começa a ficar claro que o Ocidente jamais devia ter tratado da questão kosovar com tamanha cegueira. Como, também, não devia ter prosseguido com sua política de humilhação à Rússia, prometendo a ex-repúblicas soviéticas (como a Ucrânia) insensatas adesões à União Européia e à OTAN.

Quando os tanques russos invadiram a Ossétia do Sul e atacaram os georgianos (militares e civis), com particular brutalidade, eles não estavam apenas defendendo cidadãos russos, como o Kremlin alega. Estavam enviando um recado a Washington para que pare com “o cerco”.

Desnecessário é dizer que Washington não tem qualquer legitimidade para falar contra a Rússia. Pior, a guerra em curso tem as impressões digitais do Ocidente em cada bala e cada cadáver. Primeiro, porque ninguém gosta de ser cercado. E, depois, porque o precedente kosovar abriu uma caixa que não voltará a se fechar. Aceitar a independência do Kosovo, mas recusar iguais pretensões à Ossétia ou à Abkházia será um exercício de comédia. Grotesca, aliás.

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