quarta-feira, 24 de março de 2010

Um mistério no centro da Terra

Leandro Narloch
leandrofn@bol.com.br
Jornalista

Pesquisa americana que sugere a existência de água nas profundezas do planeta parece nascida de uma das aventuras fantásticas de Júlio Verne

Em Viagem ao Centro da Terra, o clássico de Júlio Verne, um grupo de aventureiros desce por uma fenda na crosta terrestre e encontra um mundo inteiramente novo, dentro de um espaço oco existente no centro do planeta. Nesse universo subterrâneo há ilhas, um oceano e até um sistema misterioso de iluminação. O francês Verne, que morreu em 1905, escreveu sobre viagens ao fundo do mar, à Lua e pelos ares muito antes que o submarino moderno, o foguete e o avião fossem inventados. Agora parece que ele também estava correto, pelo menos em parte, sobre a existência de um mar no interior da Terra. Um estudo produzido por cientistas da Universidade Estadual do Oregon, nos Estados Unidos, divulgado na quinta-feira passada, sugere a existência de grandes quantidades de água entre 250 e 650 quilômetros abaixo da crosta terrestre. Não são lagos nem cascatas encantadoras como os da ficção científica de Verne. Mas, de qualquer forma, a pesquisa revela a presença de água em profundidades antes inimagináveis.

O objetivo dos oceanógrafos era fazer uma análise inédita da condutividade elétrica do manto terrestre, em profundidades que chegaram a 1 600 quilômetros. O manto é a camada viscosa, com quase 3 000 quilômetros de espessura, que separa a superfície do núcleo sólido da Terra. O estudo mediu a condutividade em 59 pontos do planeta. Percebeu-se então que em certas partes do manto a capacidade de conduzir energia é dez vezes maior do que em outras áreas. "É provável que haja água no interior das rochas, já que ela é um ótimo condutor de eletricidade", disse o americano Adam Schultz, geólogo e um dos autores da pesquisa.

A explicação para a existência dessa umidade está relacionada ao movimento das placas tectônicas, os blocos rígidos que sustentam a superfície da Terra. As placas se moveram e se chocaram, separando os continentes, formando cordilheiras e áreas de subducção – quando uma placa empurra outra para baixo. A placa que afunda leva para as profundezas elementos da superfície, como a umidade e até mesmo água do mar. A água só é liberada se a placa tectônica derreter, formando o magma, as rochas incandescentes que alimentam vulcões. Se isso não acontecer, ela permanecerá entre as rochas.

No mapa-múndi criado pelos pesquisadores, as áreas que abrigariam água nas profundezas são justamente as repletas de vulcões e terremotos, como a costa oeste americana, o norte do Oceano Pacífico e o Japão. "Pensávamos que havia perto de um centésimo de água dentro das rochas do manto. Uma condutividade elétrica tão alta sugere que a quantidade de água possa ser dez vezes maior", diz o geofísico Marcelo Assumpção, da Universidade de São Paulo. Os pesquisadores não conseguem determinar o tamanho das porções de água nem a forma que ela teria. Mas, devido às elevadas pressão e temperatura, dificilmente permaneceria em forma líquida. A presença de água é a explicação mais fascinante para a alta condutividade dessas regiões, mas não é a única possível. O manto terrestre é uma mistura heterogênea de rochas pastosas, formada por minerais diferentes. Em áreas com maior presença de carbono, a condutividade elétrica é tão alta quanto em rochas úmidas. Como Júlio Verne mostrou, o centro da Terra é repleto de mistérios.

Oceanos submersos

Os pontos brancos e verdes indicam as 59 regiões do planeta onde os pesquisadores da Universidade Estadual de Oregon mediram a condutividade elétrica do manto terrestre. As áreas em laranja do mapa são as que têm condutividade elétrica mais alta. Elas abrigariam água entre 250 e 650 quilômetros abaixo do fundo do mar. A pesquisa foi feita com uma espécie de tomografia do campo magnético até a profundidade de 1 600 quilômetros. Para evitar interferências, o estudo evitou medições perto dos polos magnéticos da Terra


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