sábado, 13 de março de 2010

Da lama ao groove, do groove ao mundo

Tiago Ferreira da Silva
tiagoferdasilva@gmail.com
Jornalista

Quando Chico Science lançou Da Lama ao Caos, junto com a Nação Zumbi, conseguiu realizar a profecia da primeira frase do álbum: "Modernizar o passado é uma evolução musical". O trânsito entre a futura geração cibernética e o passado atrelado às raízes nordestinas - que vão de Luiz Gonzaga à Lampião -- emergem numa cena que, dentre os muitos tiros objetivos (e certeiros) que disparou, teve o principal encargo de estampar ao mundo a decadência social que estava disseminada na capital pernambucana, Recife.

Só que nada dessa aversão se restringiria ao regionalismo. Science tomou parte dos jargões e sotaque pernambucanos com uma intensidade tão tocante, que quando o ouvinte ousa cantar junto às canções, acaba pegando aquela fala arrastada, típica de Pernambuco. Talvez a questão linguística de Chico & Nação tenha sido a chave para que a existência de um Brasil independente do eixo Rio-SP se transpusesse numa outra vertente lírica, enquadrada no quesito de música popular e, ao mesmo tempo, erudita.

Erudita porque faz um revisionismo da cena pernambucana e está imbuído de uma crítica sócio-econômica que põe em xeque o papel fortalecedor da palavra "Cidade". Para certificar, basta escutar a faixa "Banditismo Por Uma Questão de Classe": "E quem era inocente hoje já virou bandido / Pra poder comer um pedaço de pão todo fudido / Banditismo por pura maldade / Banditismo por necessidade / Banditismo por uma questão de classe". Chico analisa que a questão social interfere muito mais no cotidiano do cidadão quando ele está inserido na cadeia alimentar do capitalismo. Por exemplo, o cara vê um carrão importado estacionado na praia de Boa Viagem e quer o mesmo pra ele, pois está cansado de ser oprimido e arremessado pra baixo. Todavia, não é a necessidade que fala mais alto. É a tal da posição na sociedade. Era um clamor parecido com o que Mano Brown vociferava nos Racionais, só que analisado sob uma visão de terceira pessoa, como se Chico Science estivesse exercendo a arte de seu sobrenome. Já Brown toma parte de um discurso empírico, um ato que está intrínseco àquilo que ele vivenciou em pele, carne e osso.

Chico joga Recife pro fundo do mangue quando associa sua atual (sim, atual!) industrialização com um negro passado de exploração, legado da invasão holandesa. Foi uma batalha mal sucedida de tentar erguer uma metrópole que caminhasse nos moldes das exigências capitalistas, separando drasticamente as minorias detentoras do poder e a maioria grotesca de pobres e miseráveis. Aqui, deve-se levar em conta que Recife, antes da instauração da ditadura militar, era praticamente considerado o terceiro coração industrial do país. Com Castello Branco no poder, todo o investimento foi centralizado nas principais cidades do Sudeste, e a trajetória econômica de Recife acabou ficando estagnada, dando lugar a uma corrosão que a transformou numa das piores cidades para se morar. No manifesto "Caranguejos com Cérebro", elaborado pelo jornalista Renato Lins e o compositor Fred Zero Quatro, do Mundo Livre S/A, a capital pernambucana é descrita da seguinte maneira:

"Após a expulsão dos holandeses no século XVII a (ex) cidade `maurícia` passou a crescer desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição de seus manguezais. Em contrapartida, o desvario irresistível de uma cínica noção de `progresso`, que elevou a cidade ao posto de metrópole do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade. (...) Nos últimos trinta anos a síndrome da estagnação, aliada à permanência do mito da `metrópole`, só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano"

Apropriando-se do termo `caranguejo` para revelar a cena do `mangue`, Science e os pernambucanos que formavam essa cena, da qual incluem-se o músico Zero Quatro e o jornalista Renato L., costumavam se encontrar nos mesmos lugares, onde uma galera seleta discutia tudo quanto fosse possível relacionado à música. Em suas experimentações, Science fez uma mistura do vocal rápido e estilhaçado do hip hop com as batidas do maracatu, a percussão do coco, um pouco do regionalismo do frevo e a guitarra elétrica do rock. Todo esse caldo instrumental era calcado pela distopia que o princípio de `progresso` havia transfigurado a cidade de Recife. Chico Science vivenciou essa abordagem ao longo de seus 30 anos de vida, passando por uma infância sem muitos recursos financeiros na periferia da cidade de Olinda. Desde os 14, frequentava os bailes funk da época, regados ao som dançante de James Brown e Grandmaster Flash -- sempre escondido dos pais, é claro.

Chico passou por muitas experiências antes de formar o Nação Zumbi. Em 1987, quando já travava relações musicais com Jorge Du Peixe (que tocava alfaia e agora é o vocalista da NZ), uniu-se a Dr. Mabuse (alter-ego de José Carlos Arcoverde) e fundou o Bom Tom Rádio - que durou até 1990 -- focando em uma estética hip hop misturada ao dub, soul e psicodelia. A banda se inspirou nos DJ`s jamaicanos de jungle, que exploravam o ritmo acelerado de baixo e bateria entre os anos 70-80; e nos ritmos do breakbeat e do dancehall,que executavam letras de rap durante os scratches e a rápida união entre baixo/bateria. O domínio dessa técnica aterrissou na América do Norte e recebeu um outro tratamento, do qual hoje denomina-se drum`n bass. Para reproduzir as remixagens, Mabuse assumia o baixo, Du Peixe a bateria e Science comandava, ao mesmo tempo, vocais e pick ups. Vale lembrar que nessa época a alcunha de Science ainda não lhe era atribuída; Francisco de Assis França ainda era Chico Vulgo.

Nas andanças do Bom Tom Rádio, Chico fazia o máximo para incorporar ritmos que supostamente tivessem alguma combinação, misturando tudo quanto fosse possível para atingir a batida perfeita. Influenciado por Afrika Bambaataa, o pioneiro do hip hop, ele queria resgatar as raízes dos sons dançantes e condensá-las a um liquidificador musical que realçasse o poder dos infortúnios de suas letras. Looking For A Perfect Beat, de Bambaataa, é tido como grande referência para o primeiro episódio do manguebeat. Tamanha obsessão, tamanha veemência pela batida, enchia aqueles músicos que tocavam com Chico de curiosidade. Foi a partir daí que Renato L. apelidou Chico Vulgo de Chico Science, por ser um `cientista da música`, um ávido pela união perfeita de sons.

O passo decisivo para a formação do Nação Zumbi veio quando Chico Science conheceu o Lamento Negro, um bloco de percussionistas que fazia parte do centro comunitário "Daruê Malungo", na periferia recifense. Era um grupo de negros que tocava com tanta energia, que influenciaria Science a ponto de incorporar à sua receita toda essa vibração eufórica e poderosa. Em 1991, quando fazia parte do Loustal, grupo que já contava com Dengue no baixo, Science chamou os membros de sua banda e batizou a união de `Chico Science e Lamento Negro`, trazendo Gilmar Bola 8 e Gira para tocar os tambores e alfaias. O nome Nação Zumbi veio novamente da referência de Afrikaa Bambaataa: Zulu Nation era um projeto do DJ que unia os preceitos que deveriam formular a cena do hip hop: paz, amor, união e diversão.

A formação do Chico Science & Nação Zumbi, que gravaria o álbum Da Lama Ao Caos, era de: Chico Science nos vocais; Lúcio Maia nas guitarras; Alexandre Dengue no baixo; Toca Ogam na percussão e nos efeitos; Canhoto tocando caixa (que ficaria pouco tempo, pois logo sairia do grupo e daria lugar à Pupillo); Gira, Gilmar Bola 8 e Jorge Du Peixe nas alfaias e tambores. E foi justamente no CSNZ que Chico pôde por em prática todos os ritmos de sua influência - ciranda, maracatu, frevo, rock (com Lúcio), funk, hip hop, dub e música eletrônica -- munidos com o peso dos tambores. Daí nascia o principal grupo da cena manguebit.

"A Cidade", conhecida faixa de Da Lama ao Caos, foi escrita ainda nos tempos do Bom Tom Rádio. Segundo o estudo "Do Tédio Ao Caos; Do Caos À Lama: os primeiros capítulos da cena musical mangue", elaborado por Getúlio Ribeiro, a versão cantada pelo primeiro grupo de Science era diferente da atual. "A versão do Bom Tom Rádio, por sua vez, traz um arranjo bem mais enxuto, composto apenas por bateria, baixo, scratchs e vocais. Nesta gravação, a música é basicamente um funk 4/4 executado pelo baixo e pela bateria, com efeitos de scratch apenas no início e no final da peça, o que provavelmente se deve ao fato de Chico, que fazia os scratchs, ter de dividir as suas funções entre os efeitos e os vocais".

Junto com o Nação Zumbi, "A Cidade" ganha um tratamento mais multifacetado. A faixa é unida ao coco, maracatu e à guitarra elétrica de Lúcio Maia. Nela, mais uma vez o antagonismo entre a história de exploração e a construção de um espaço decadente com o viés da industrialização, constitui a base do conceito de cidade. "O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas / Que cresceram com a força de pedreiros suicidas / Cavaleiros circulam vigiando as pessoas / Não importa se são ruins, nem importa se são boas". A teoria marxista de que o giro econômico é a ideologia perfeita de crescimento para os detentores do poder, atinge o grau máximo nessa crítica de Chico Science. Isso porque se relaciona o sertão, as pequenas cidades rurais e as regiões da mata do Pernambuco ao espectro do atraso, onde as oportunidades de se ganhar dinheiro são dissipadas pelo baixo investimento industrial nessas áreas. E, para suprir essa carência, "a cidade se apresenta centro das ambições".

Apropriar-se do termo `mangue` possibilita navegar em toda exclusão que o conceito de capitalismo massacra nas grandes cidades. Enquanto os ricos vão ficando cada vez mais ricos, o mangue, dependência da capital pernambucana, é estilhaçado, jogado de lado, esquecido. Em "Rios, Pontes & Overdrives", escrita em parceria com Zero Quatro, Science trabalha essa dualidade do atrasado com o evoluído, através de um contorno na problemática social que impede a integração destes dois conceitos incompatíveis. E é justamente essa incompatibilidade que transformou Recife "na quarta pior cidade do mundo", nos anos 90. "E a lama come mocambo e no mocambo tem molambo / E o molambo já voou, caiu lá no calçamento bem no sol do meio-dia / O carro passou por cima e o molambo ficou lá". Enquanto mocambo (terra de assentamento dos quilombolas) e molambo (roupa velha) estão relacionados à pobreza, o carro, sinônimo de industrialização, atropela casualmente, como se fosse uma cena comum à cadeia social excluir e passar por cima daquele que não joga o jogo disputado do capitalismo.

Na canção "A Praieira", Chico rememora a cultura popular que está atrelada à cidade litorânea de Recife e Olinda: a ciranda. Em uma roda descompromissada, geralmente na beira da praia ou em grandes praças, um grupo de pessoas executa individualmente os passos que sabe fazer, ritmados a uma canção lenta que pode ser acompanhada por todos os integrantes. A parte instrumental fica por conta da zabumba, o ganzá, que é um tipo de chocalho metálico, e o maracaxá, outro chocalho só que mais rústico, normalmente utilizado em rituais de candomblé. A clássica frase "Uma cerveja antes do almoço é muito bom / Pra ficar pensando melhor" soa como o estímulo de um velho revolucionário que ainda assim valoriza suas raízes culturais. Nesta canção, os bumbos batidos com força, a onipresença do maracaxá e o riff de Lúcio Maia acompanham o simulacro de Chico Science, que canta como se realmente estivesse numa roda: "Vai pisando-te, segurando-te, arrastando-te, arrastando, arrastando, é praieira, é praieira, é praieira". Esse trecho vem com um falsete que remonta à efetiva participação do vocalista numa ciranda enquanto cantava nos estúdios.

O ano era 1994, pré-história da internet aqui no país; mas os bits do computador já se faziam presentes no cenário pernambucano. A incorporação de "bit", junto ao mangue, se dá não apenas porque eles se autoproclamavam caranguejos com cérebro -- unindo a capacidade de recriar o imaginário com o computador ao intelecto e irreverência dos `mangueboys`. Além disso, o `manguebit` permite com toda liberdade o trocadilho de `manguebeat`, justamente pelo ideário de ousadia. Porque muito além de incorporar informação e evolução, que sempre estiveram arraigadas no conceito de tecnologia, os garotos do mangue foram responsáveis por toda a junção de elementos musicais e regionais que repercutiram no som de Da Lama Ao Caos. Isso justifica o fato dos mangueboys e manguegirls serem "indivíduos interessados em quadrinhos, TV interativa, anti-psiquiatria, Bezerra da Silva, Hip Hop, midiotia, artismo, música de rua, John Coltrane, acaso, sexo não virtual, conflitos étnicos e todos os avanços da química aplicada no terreno da alteração e expansão da consciência".

Paradoxalmente, o conceito de tecnologia que eles usam como apoio à disseminação das ideias, é passível a um deslize de conduta. "Computadores Fazem Arte", composta por Zero Quatro, antecipa que o mesmo equipamento que pode ser manejado para a difusão de informação, da mesma maneira é uma máscara manipulada pelos artistas que a usurpam e dizem dominar a arte. Se Walter Benjamin estivesse vivo para ouvir esse clamor, certamente complementaria que os computadores são retro-projetores de uma realidade fantasiosa, com seu poder de reprodutibilidade; e seu discípulo, Theodor Adorno, diria que é um avanço à fugacidade da vida -- a maquiagem perfeita para escapar do mundo já falso criado pelos arquétipos da comunicação de massa.

Deve-se lembrar que a devida autosuficiência dos `garotos do mangue` estava dissociada das possíveis oportunidades financeiras que chegaram a ter. Ao contrário do que já foi um dia, Recife não respirava mais aqueles ares fidalgos de inteligência burguesa, que a destacaram como metrópole-colônia. Chico Science estava mais interessado no conhecimento das ruas, na observação do comportamento mais adequado ante as inúmeras portas que batiam na cara da maioria sofredora. E aí, Chico faz o convite que soa claro em "Antene-se":"Onde estão os homens caranguejo? / Minha corda costuma sair de andada / No meio da rua, em cima das pontes / É só uma cabeça equilibrada em cima do corpo / Procurando antenar boas vibrações / Preocupando antenar boa diversão".

Tomando parte do discurso de um rapaz libertino, vagando pela conscientização de uma massa enganada com o rótulo de evoluída, Chico Science observa que esse espaço geográfico está mais que passível à violência. Ela virou cotidiano. A faixa-título passa essa ideia com eficácia, quando diz "um homem roubado nunca se engana", e situa dois personagens comuns praticando o ato falho do furto: "Peguei o balaio, fui na feira roubar tomate e cebola / Ia passando uma véia pegou a minha cenoura". É como se os dois atores sociais estivessem na mesma situação degradante, colocando no mesmo patamar o agente da classe média - no caso, a velha que vai fazer compras na feira -- e o miserável que tenta garantir a fartura ao ar livre. Ambos estão na mais baixa esfera da classificação capitalista. Na faixa, o peso dos riffs de Lúcio Maia dão um clima de sujeira, de desfavorecimento a essa situação.

O renascimento do groove é outras das predileções de Francisco de Assis França. "Samba Makossa", sexta faixa do álbum, é o exemplo típico. Makossa é um ritmo popular originário de Camarões, onde a ponderação do baixo e a presença da trompa ditam a musicalidade dançante. Não é bem um dos caminhos que Zero Quatro aponta em "Mistério do Samba", com o Mundo Livre S/A em 2000, mas, como em "A Praieira", é uma celebração à cultura popular miscigenada, herdada da mãe África. Há não muito tempo atrás, essa canção ficou conhecida nos vocais de Charlie Brown Jr. e Marcelo D2, com uma adaptação ao gosto da dupla, trocando o "bom da cabeça e um foguete no pé" - que associa a paz de natureza dos dançantes à cadência do samba -- por "bom da cabeça e o skate no pé" - interligando duas coisas distintas, como o samba e o skate, e apagando um pouco da maestria da composição.

Nesse groove de baque virado, Chico Neves, produtor musical de álbuns como Lado B, Lado A d`O Rappa, assina os samplers. É também de sua autoria as interferências eletrônicas em "Rios Pontes & Overdrives", "A Cidade", "Antene-se" e "Coco Dub (Afrociberdelia)".

Rajadas e trovões ainda estão por vir quando "Maracatu de Tiro Certeiro" surge na cena. Escrita em parceria com o futuro vocalista Jorge Du Peixe, a violência, a sede por se tornar um cidadão notável na era globalizada são dimensionados nos "olhos em brasa fumaçando". E, como um alvo de todo esse esturpor, "Lixo do Mangue", música instrumental sampleada por Chico Science e assinalada pelos gritinhos do produtor Liminha, são intercalados com os três acordes punk de Lúcio, dando vazão à pérfida singeleza do despercebido enterro de um indigente.

E quem disse que só de batalhas vive o `mangueboy`? "Risoflora" vem para afagar um pouco a revolta dos caranguejos com cérebros, trabalhando uma bonita simbiose de sotaque e percussões regionais aos acordes da guitarra. A influência do dub vem à tona, dando um certo ar de profundidade ao sentimentalismo da canção: "Ô Risoflora / Vou ficar de andada até te achar / Te prometo meu amor, vou me regenerar".

"Salustiano Song" é uma ode instrumental ao `patrimônio cultural de Recife`, Mestre Salustiano. Ele foi um dos responsáveis por manter e incorporar junto à sua rabeca expressões populares como a ciranda, maracatu, coco, mamulengo e o forró. Além de músico, o Mestre era ator e artesão. Interpretava coreografias do bumba-meu-boi -- como o cavalo-marinho, uma integração folclórica entre homens e animais intermediados pelo Capitão Marinho. Em busca desse resgate à identidade nordestina, Lúcio Maia e Chico Science promovem um baião dançante nessa música, intercalados pelo baixo de Dengue, os efeitos virais de Toca Ogam e a alfaia de Du Peixe, proporcionando um tom mais lúdico à nona faixa.

Antecipando o título do próximo álbum, Afrociberdelia, a última canção de Da Lama Ao Caos trabalha sonoridades mais experimentais, onde se destaca o futurismo do dub. O groove acentuado mistura todas as vertentes exploradas pela NZ, usando e abusando dos samplers comandados por Chico Neves. "Coco Dub (Afrociberdelia)" explora baião, dub, coco, maracatu, frevo e tudo que tiver pela frente, emitindo um som psicodélico e ao mesmo tempo dançante, como se fosse uma viagem sob efeito de psicotrópicos.

Em Da Lama ao Caos, Chico & Nação queriam submergir da lama de Recife ao mundo, denunciando o caos e a miséria que instaurara na cidade nos `últimos trinta anos`. Eles passaram toda essa letra com uma energia impactante, como se fosse uma representação da violência generalizada que invadira a capital pernambucana. Foi essa presença de palco, essa agrura nos tambores e essa mistura neoantropofágica que arremessaram Chico Science & Nação Zumbi direto para o mundo. Enquanto o álbum condensava as ideias, as apresentações a lançavam com vigor. Nos festivais de musica na Europa e nos Estados Unidos, a NZ aglomerava elogios, que vinham do público e especialmente da crítica. A experiência da projeção internacional mostrou um amadurecimento ao grupo com o lançamento de Afrociberdelia, pois nele o groove é elevado à máxima e a trajetória psicodélica de "Coco Dub", última faixa de Da Lama ao Caos, ganha ênfase com o apoio de Jorge Mautner, Gilberto Gil, Marcelo D2 e Mário Caldato no segundo trabalho do grupo. Em 1996, o manguebit já estava formado com a exposição mundial do caos recifense. No começo de 1997, nas prévias de carnaval, infelizmente um acidente de carro no caminho de Olinda para Recife levaria Chico Science desse mundo. O leito não linear seguiu, só que para fora do universo dos mortais.

Como legado emblemático, o hibridismo de Da Lama ao Caos fez florescer de forma significativa o âmbito da cultura pop. Provou que a junção de elementos dialéticos, regionais e eruditos podem cair no gosto popular e favorecer a mensagem que se quer passar com a música. A partir desse legado, entende-se que Da Lama ao Caos é uma soma de valores, influências e práticas que resultaram numa verdadeira música quântica.

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