Almandrade
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Artista plástico
O projeto estético do movimento modernista que decolou com a semana de arte moderna de 1922 tinha boa dose de otimismo anarquista, sustentado pela ilusão de um país novo e a vontade de renovação, experimentação e criação de uma expressão artística nacional. Conciliar a cultura moderna importada com a cultura nativa era um ideal de nosso modernismo, como: o centro industrial e a mata virgem, o urbano e o ingênuo, o culto e o popular. Buscar enfim, uma identidade brasileira.
Era mais um estado de rebeldia contra o academicismo, que aqui se instalou com a chegada da família real portuguesa e a missão artística francesa e menos uma posição de vanguarda. No que diz respeito à elaboração de um repertório verdadeiramente moderno os participantes da semana ainda desconheciam a diversidade das linguagens, suas rupturas e contradições, mas foi a primeira manifestação pública de um grupo de artistas e intelectuais na história do país em defesa da modernização do patrimônio cultural.
O romance Macunaíma de autoria de Mário de Andrade, um dos mentores da semana de 22, publicado seis anos mais tarde, representa a continuidade e o limite desse projeto estético e ideológico que dominou o pensamento dos modernistas na década de 1920. As duas décadas seguintes, compreendidas entre a semana de arte moderna e a bienal de São Paulo, em 1951, esteticamente menos explosivas, foram de conscientização pessimista de nossa condição de subdesenvolvimento e atraso cultural com a descoberta de um país cheio de desequilíbrios.
Inserida às festividades do centenário da independência do Brasil, a semana de arte moderna tinha a intenção de transformar as comemorações do centenário em um momento de emancipação artística. Realizada no teatro municipal, alugado pelo poeta e cafeicultor participante da semana Paulo Prado, na ainda provinciana cidade de São Paulo, diante de espectadores indignados, foi um grito e uma transgressão que levantou poeira, sacudiu o pequeno circuito cultural e alimentou o desejo reprimido de renovação. Hoje, na releitura feita com tempo, é uma referência e o começo da modernização das linguagens artísticas, ao lado da transformação sócio-econômica que se processava no país.
O modernismo da semana de 22 era o refinado produto da burguesia rural, quando o café era um protagonista da economia brasileira. Uma coisa contraditória. A arte moderna, com seus procedimentos, temáticas, implicações e compromissos com a sociedade industrial, aqui foi patrocinada e estimulada pela burguesia das fazendas de café que perambulavam pelos boulevards de Paris, "a capital cultural do século XIX", e não pelos industriais paulistas emergentes. Foi uma iniciativa de elite, bem pensada dentro do contexto mais amplo da época.
No ano da publicação de Macunaíma, a sociedade brasileira tinha passado por mudanças significativas, a cidade de São Paulo contava com um grande aglomerado urbano, fábricas e um mercado consumidor. A oligarquia cafeeira estava sendo substituída pela burguesia industrial. Além da provocação da semana de arte, nesta década foi criado o partido comunista, surgiu o movimento tenentista em desacordo com o governo federal e a coluna prestes que percorreu 33 mil quilômetros no interior do país. Iniciava-se o processo de implantação do capitalismo no Brasil. Vista de uma perspectiva da atualidade, Macunaíma é uma conseqüência das idéias da semana relacionadas com outros aspectos da vida política cultural e uma convergência entre as propostas estética (modificações da linguagem) e ideológica (expressão nacional). É uma obra moderna que sintetiza a ideologia de produção estética da antropofagia que teve seu término com a revolução de 1930, ao lado de Memórias Sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande de Oswald de Andrade e a Pintura de Tarsila do Amaral.
Mário reconheceu a importância de misturar ao processo de importação da estética moderna às raízes da cultura popular brasileira, experimentar a linguagem literária e deixar vir à tona elementos recalcados de nossa formação cultural. A inventividade narrativa e lingüística de Macunaíma, fantástica, malandra e bem humorada foi um desafio ao modelo cultural vigente. Uma nova linguagem literária e brasileira, afinada com a vanguarda européia, conforme observamos nas pitadas de dadaísmo, expressionismo e surrealismo ao incorporar temas da mitologia indígena, visões folclóricas do amazonas e outras partes do Brasil ou ainda na invenção mitos da modernidade.
Mário de Andrade foi uma figura decisiva no movimento modernista, um participante atuante da semana de arte, inaugurou a poesia moderna no Brasil com Paulicéia Desvairada. Depois de 1922 redescobriu o Brasil, passou a se interessar pelo folclore e a cultura popular, em 1927 viajou pelo nordeste e voltou com um tema que nos persegue até hoje, a nossa verdadeira identidade. Com Macunaíma, Mário encerrou a primeira fase do nosso modernismo e deu início a segunda que podemos verificar na temática social da arte e da literatura das décadas posteriores.
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